Estrangeiros começam a deixar Gaza; Brasil ainda espera vez

Acordo mediado pelo Qatar permite saída pela primeira vez, com prioridade para feridos

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São Paulo

O primeiro grupo de estrangeiros moradores da Faixa de Gaza começou a deixar o território sob ataque de Israel nesta quarta (1º) para o Egito, após um acordo mediado pelo Qatar entre os governos de Tel Aviv e do Cairo.

"Ainda não há brasileiros na lista divulgada hoje", disse o embaixador brasileiro na Cisjordânia, Alessandro Candeas. "Acredito que em breve novas listas serão publicadas, e espero que nossos brasileiros estejam nelas", disse, afirmando que isso poderá acontecer até a sexta-feira (3).

Palestinos esperam oportunidade para cruzar ao Egito no posto de fronteira de Rafah (Gaza)
Palestinos esperam oportunidade para cruzar ao Egito no posto de fronteira de Rafah (Gaza) - Mohammed Abed/AFP

Enquanto isso, o embaixador brasileiro no Cairo, Paulino Franco de Carvalho Neto, afirmou ter sido informado pelas autoridades do país que cerca de 500 estrangeiros que estão em Gaza poderão cruzar a fronteira em direção ao Egito por dia.

Ele também não recebeu previsão de quando os que desejam ser repatriados poderão atravessar Rafah. Mas acrescentou que os egípcios devem avisar a embaixada para se preparar para o momento com algumas horas de antecedência. Uma vez no Egito, o grupo viajará de ônibus até a capital para embarque em voo da FAB (Força Aérea Brasileira) para o Brasil.

Na mesma reunião em que recebeu essas informações, Paulino e diplomatas de outros países foram alertados que a situação é fluida e depende da evolução dos acontecimentos no sul de Gaza. Estima-se que haja entre 7.000 e 8.000 estrangeiros aguardando permissão para sair da região e entrar no Egito.

A primeira leva, segundo o Itamaraty, terá cidadãos da Austrália, Áustria, Bulgária, Finlândia, Indonésia, Jordânia, Japão e República Tcheca, além de pessoal da Cruz Vermelha e de ONGs. Eles começaram a sair por Rafah, posto na fronteira sul com o Egito, por onde também passa ajuda humanitária limitada —em parte porque autoridades egípcias e israelenses precisam estar de acordo sobre quem receberá permissão para deixar o território controlado pelo grupo terrorista Hamas. Ao menos 320 pessoas deixaram o território, segundo a agência de notícias Reuters.

O arranjo se soma ao anúncio feito na véspera pelo Hamas de que 81 feridos graves em ataques israelenses poderiam deixar Gaza. Segundo o governo egípcio, os 76 primeiros pacientes já o fizeram. Cerca de 40 ambulâncias estão na região fronteiriça, um hospital de campanha para casos urgentes foi montado e unidades médicas nas cidades de Sheikh Zuweid e Al Arish, mais distantes, foram mobilizadas.

O governo de Israel afirmou aos Estados Unidos, Egito e Reino Unido, entre outros países, que qualquer palestino ferido que deixar a Faixa de Gaza para tratamento médico poderá voltar ao território após o fim da guerra contra o Hamas. Autoridades de Israel afirmam também que o comprometimento do país com o retorno foi um requisito para que outras nações concordassem com o plano de retirada de palestinos feridos.

Gaza está sendo atacada fortemente desde que o Hamas, que administra a região desde 2007, promoveu a mega-ação terrorista contra Israel no dia 7 passado. Desde então, centenas de estrangeiros moradores do território com 2,3 milhões de habitantes tentam sair pelo posto de Rafah, sem sucesso. Eles se concentram na cidade e em locais como Khan Yunis, a 10 km dali, assim como palestinos.

Entre eles estão as 34 pessoas que o Itamaraty registrou para repatriação, um contingente que tem variado ao longo das semanas. Segundo o mais recente balanço de Candeas, 24 delas são brasileiras, 7 palestinas em processo de imigração e 3, parentes próximos deste último grupo.

Estão em duas casas alugadas pela embaixada em Rafah 18 pessoas (9 crianças, 5 mulheres e 4 homens), enquanto quatro apartamentos de famílias em Khan Yunis abrigam 16 (9 crianças, 5 mulheres e 2 homens). Parte do grupo, 19 pessoas, estava reunido em uma escola católica de Gaza antes de ser transferido para o sul do território. Por ora, segundo Candeas, todos ficarão onde estão.

Em vídeo gravado por celular divulgado na terça, a estudante brasileira Shahed al-Banna, 18, afirmou que as dificuldades para comprar água e comida aumentam dia após dia. O carregamento de celulares é feito por meio de baterias improvisadas alimentadas por painéis solares, e lenha vem sendo usada para cozinhar itens mais simples.

O Brasil já repatriou 1.413 pessoas que estavam em Israel, incluindo três cidadãos bolivianos. A operação mobilizou oito voos da Força Aérea e encerrou sua fase inicial na semana passada. Nesta quarta, outros 32 brasileiros que estavam na Cisjordânia decolaram de Amã, na Jordânia, para retornar ao Brasil —o Itamaraty havia divulgado antes que o grupo era formado por 33 pessoas, mas depois corrigiu a informação. A chegada do voo está prevista para a madrugada desta quinta (2).

Na mesma data, a comunicação com Gaza voltou a ficar precária, com cortes na internet devido a ataques israelenses, segundo a Paltel, empresa de telefonia local. De acordo com a organização Netblocks, que monitora a internet ao redor do mundo, o corte representa "uma perda total de telecomunicações para a maioria dos moradores".

O Brasil tem conversado com o Qatar, que lidera esforços de negociação por ser um país que abriga líderes do Hamas no exílio —e sofreu críticas por isso—, e outros países que buscam tirar seus moradores.

Um dos principais interessados é o governo dos EUA, que tem de 500 a 600 cidadãos em Gaza e serviu de consultor na negociação entre Egito e Israel. Segundo Candeas, o Hamas não fez parte do acerto. O presidente Joe Biden postou no X (ex-Twitter) que esperava ver americanos saindo ainda nesta quarta —houve registro de ao menos um cidadão do país, ainda que integrante de uma ONG.

A primeira leva autorizada a sair é o primeiro sinal de esperança para os brasileiros. O fato de eles não terem sido incluídos gerou protesto de um dos integrantes do grupo, Hasan Rabee, porém, que gravou vídeo se queixando do governo federal. Na terça, o embaixador havia dito que a situação era de uma "inércia angustiante".

Em Brasília, a situação é considerada difícil, pois não há certeza de que Egito e Israel priorizarão o caso brasileiro. Especula-se que essa insegurança seja uma forma de retaliação de Tel Aviv contra o Brasil pela forma como ele conduziu as discussões sobre a guerra no Conselho de Segurança este mês, quando ocupou a presidência do órgão. Questionados sobre o assunto, membros do governo afirmaram não ter indicação concreta disso.

Os ataques seguem intensos em Gaza. Na terça, Israel confirmou ter matado cerca de 50 pessoas no campo de refugiados de Jabalia, no norte da faixa, em um dos maiores ataques individuais da guerra até aqui.

O campo tem esse nome pela origem histórica, mas é um bairro urbanizado bastante miserável. A imagem de uma enorme cratera, presumivelmente causada por um ataque aéreo israelense, viralizou na terça. Tel Aviv afirma que os mortos eram do Comando Central de Jabalia, uma célula do Hamas que defende a região norte do território.

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