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Jornalismo nas eleições de 2024 nos EUA será mais fragmentado, diz Ben Smith

Criador do Semafor discute transformações na indústria de comunicação e reflete sobre a busca pelo clique e pela audiência

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Mauricio Stycer
São Paulo

Poucos profissionais estão tão habilitados a falar das transformações pelas quais a indústria de comunicação passou nos últimos 20 anos quanto Ben Smith. O jornalista americano foi editor do site Politico, editor-chefe do BuzzFeed News e colunista de mídia do The New York Times.

No ano passado, apoiado por aportes de investidores privados que somaram US$ 25 milhões, lançou em parceria com o jornalista Justin Smith (não são parentes) um novo site chamado Semafor, no qual combina furos de reportagem com análise profunda dos acontecimentos.

Em seu livro "Traffic", publicado neste ano, Smith documenta o impacto que diferentes sites produziram na forma de fazer jornalismo. Entre os muitos padrões alterados, a busca pelo clique e pela audiência moldou o comportamento da nova mídia.

BuzzFeed News Editor-in-Chief Ben Smith poses for a picture in his office in the newsroom at BuzzFeed headquarters, December 11, 2018 in New York City
O jornalista Ben Smith na Redação do BuzzFeed News, em Nova York - Drew Angerer/Getty Images via AFP

Nesta entrevista à Folha, Smith prevê que as eleições presidenciais de 2024, nos Estados Unidos, vão encontrar um cenário novo, do ponto de vista da mídia, mais fragmentado, sem nenhuma publicação hegemônica. Ele também analisa o conflito dos tradicionais veículos de comunicação com as grandes empresas de tecnologia, em especial o Facebook e o Google.

Uma das atrações do Festival Piauí de Jornalismo, a ser realizado na Cinemateca Brasileira, em São Paulo, Ben Smith falará no dia 2 de dezembro, às 16h, com mediação dos jornalistas João Batista Jr. (Piauí) e Flavia Lima (Folha).

Em seu livro, você diz que "a internet, que iria ajudar a esquerda a refazer o mundo à sua imagem, tornou-se a força motriz do populismo de direita". O que deu errado?
Para mim, esta foi, de certa maneira, a grande surpresa enquanto estava escrevendo a primeira versão do livro. No início dos anos 2000, nos EUA e na América Latina, a internet parecia claramente um espaço progressista, para gente jovem, que naturalmente estava à esquerda, que se reunia para defender causas e apoiava candidatos que defendiam mudanças, como Barack Obama. E, então, as coisas viraram rapidamente.

Era tudo tão óbvio que ninguém pensou a respeito. O ambiente era progressista porque estava ocupado pelas pessoas jovens. Quando os mais velhos chegaram, a política mudou. A direita, essa nova direita populista, estava mais preparada para usar as ferramentas e táticas das mídias sociais e seguir a audiência onde ela estivesse.

No final de "Traffic" você diz: "Aqueles de nós que trabalham com mídia, política e tecnologia estão muito preocupados agora em descobrir como manter unidas essas instituições falidas ou construir novas que sejam resistentes às forças que ajudamos a desencadear". Imagino que você tivesse o site Semafor em mente quando escreveu esta conclusão. De que forma o seu novo empreendimento pode ajudar?
Não quero exagerar o poder da mídia. Jornalistas costumam achar que toda matéria é sobre a mídia, e obviamente há muito mais coisas acontecendo no mundo. Mas o site foi criado pensando muito sobre como encontrar meios de reforçar a confiança nos jornalistas. É preciso recusar a tentação de sempre se sentir tão seguro de si mesmo, conversar com pessoas que têm posições extremas e convencê-las a compartilhar o seu trabalho, e tentar ter mais humildade.

Você publicou recentemente no Semafor um estudo que mostra que não há nenhuma correlação entre a posição política de Donald Trump e quanta atenção ele recebe. O que isso significa para o jornalismo político?
Jornalistas sempre defenderam a ideia de que somos todo-poderosos e criamos Donald Trump porque escrevemos sobre ele e que, se o ignorássemos, ele teria desaparecido. Acho que, às vezes, isso leva os jornalistas a dizerem que é melhor ignorar as coisas malucas que as pessoas falam porque, se não as publicarmos, ninguém saberá sobre elas. E acho que isso pode realmente ser contraproducente.

No livro, você afirma que cada ciclo de campanha presidencial é definido por um novo meio de comunicação. Qual será o de 2024?
Semafor (risos). Na verdade, eu diria que neste ciclo o que vai definir a campanha não será um veículo, mas sim a fragmentação e esta estranha sensação de que as conversas estão acontecendo em podcasts, grupos de chats, talvez no Twitter, mas também no Reddit e em um milhão de diferentes plataformas e locais, de uma forma confusa e difícil de rastrear.

Como você vê os esforços e a pressão das grandes empresas de mídia profissional para serem pagas pelo Google e pelo Facebook?
Acho que Google e Facebook são coisas bem diferentes. Estamos vendo governos de todo o mundo protegendo suas indústrias nacionais dessas empresas de tecnologia estrangeiras, entre outras coisas, e em lugares onde há indústrias de notícias que têm poder político real, como a Austrália, onde Rupert Murdoch é uma potência. Acho que você verá o governo forçar essas empresas a pagarem alguma coisa. Acho que nos EUA, onde as empresas de tecnologia são nacionais e têm muita força, provavelmente não veremos.

Mas é basicamente uma questão política. Eu acho que o Facebook gostaria de sair do negócio de notícias. O Facebook quer mostrar, principalmente, fotos dos filhos dos seus amigos e vídeos bobos. Acho que eles gostariam de nunca ter entrado no negócio de notícias. Acho que o Google está em uma posição totalmente diferente. Eles estão fundamentalmente no negócio de notícias e não conseguem sair dele. É uma grande ameaça ao modelo de negócios do Google, em particular, a noção de que eles terão que pagar por conteúdo. E é por isso eles estão lutando tanto contra isso.

Ao relembrar o sucesso da estratégia do New York Times para se tornar uma empresa de mídia digital mais ampla, você cita Peter Drucker, que diz que "a cultura organizacional come a estratégia no café da manhã". Você acha que é um caso único ou pode ser imitável?
Por um lado, é uma estratégia muito boa e que pode ser reproduzida. Penso que os desafios são que também existe uma tendência nestes grandes mercados digitais de haver apenas um vencedor. Costumava haver um jornal regional em todas as cidades. Agora, quanto melhor fica o New York Times, maior ele fica. Como em outros mercados digitais, em que uma empresa domina totalmente, acho que isso está ocorrendo [nos EUA] no campo do noticiário de centro-esquerda. Portanto, é uma estratégia a seguir, mas é uma estratégia difícil de seguir se você estiver competindo com o New York Times.


raio-x | Ben Smith, 47

É ex-colunista de mídia do New York Times. Anteriormente, foi editor-chefe do BuzzFeed News. Cobriu a política americana por mais de uma década no Politico e no New York Daily News, entre outros meios de comunicação, e lançou vários blogs políticos. Em 2022, criou o Semafor em parceria com Justin B. Smith.

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