Judeus vivem sob terror ante onda de perseguição na Europa

Casos de antissemitismo dentro e fora da internet se multiplicam desde início da guerra Israel-Hamas

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Milão

Em Milão, uma mezuzá, objeto com trechos da Torá que costuma ser afixado na entrada de casas da comunidade judaica, foi roubada e, em seu lugar, foi deixada uma faca. Em Estrasburgo, a fachada de uma creche amanheceu pichada com "judeu bom é judeu morto". Em Viena, a parte judaica de um cemitério foi incendiada e, nos muros, suásticas foram pintadas. Em Nuremberg, uma estrela de Davi e a inscrição "assassinos de crianças" foram escritas na parede externa de um restaurante.

Esses são alguns dos milhares de episódios antissemitas ocorridos nas últimas semanas em cidades da Europa, que, desde o início de outubro, vive uma onda de casos de agressões que saíram do ambiente online para as ruas. Em 7 de outubro, a organização terrorista islâmica Hamas lançou ataques contra Israel que deixaram cerca de 1.200 mortos. Como resposta, o governo israelense declarou guerra e bombardeou Gaza, causando mais de 12 mil mortes.

Edifício em Paris é pichado com a estrela de Davi em meio à guerra entre Israel e Hamas no Oriente Médio
Edifício em Paris é pichado com a estrela de Davi em meio à guerra entre Israel e Hamas no Oriente Médio - Lucien Libert - 31.out.23/Reuters

Só na França, foram 1.040 ocorrências de antissemitismo registradas em quase um mês, até o último dia 5, segundo o Ministério do Interior, com a prisão de 486 pessoas. Na Alemanha, somente nos primeiros oito dias de conflito, foram 202 episódios contra judeus, aumento de 240% em relação ao mesmo período do ano passado, segundo a ONG Rias, que monitora esse tipo crime no país. No Reino Unido, o observatório CST, ligado à comunidade judaica, registrou 1.324 casos durante os 40 primeiros dias de guerra, alta de 510%.

"A comunidade judaica está aterrorizada. As pessoas estão com medo de sair de casa, de ir às sinagogas, de mandar os filhos para a escola. É algo assustador para inocentes que vivem na Europa, um lugar supostamente pacífico", diz à Folha o rabino Menachem Margolin, presidente da Associação Judaica Europeia, com sede em Bruxelas.

"Como é que a população judaica na Europa –que não faz parte do governo de Israel e não está nas Forças Armadas– pode ser responsabilizada pela guerra entre Israel e Palestina? Como é que tantas pessoas na Europa expressam ódio contra judeus inocentes só porque eles são judeus?", questiona o religioso, que diz ter recebido ameaça de morte por e-mail e andar vestindo colete à prova de balas.

Para Margolin, o risco imediato é para a comunidade judaica, mas a longo prazo é uma ameaça também para a Europa. "Os governos precisam ser muito claros de que qualquer expressão de antissemitismo vai ser severamente punida, seja online, ato de vandalismo ou durante protestos", afirma.

Os casos de antissemitismo desencadeados nas últimas semanas são um efeito do agravamento do conflito entre Israel e Palestina, mas fazem parte de um fenômeno persistente na Europa.

Relatório recém-divulgado pela Agência da União Europeia para os Direitos Fundamentais (FRA) mostra que, desde 2012, quando o monitoramento teve início, é observada uma tendência de alta de episódios antissemitas em países como Áustria, Alemanha, Itália, República Tcheca e Holanda. Na França, os casos tiveram queda no ano passado, ainda que se mantenham em um patamar alto, com 436 episódios. Muitos outros não têm coleta de dados adequada, o que impede a comparação entre países e a divulgação de números que representem inteiramente o bloco.

O relatório refere-se a casos denunciados durante 2022, mas a agência tem evidências de que o antissemitismo sobe em países da UE após grandes eventos mundiais, ligados ou não ao Oriente Médio. "Houve aumento do antissemitismo, especialmente online, quando eclodiu a pandemia do coronavírus e com a agressão da Rússia contra a Ucrânia. E sabemos, através da nossa coleta de dados, que sempre que há períodos intensos de conflito no Oriente Médio, há picos de episódios antissemitas", afirma Nicole Romain, porta-voz da FRA.

Nesta semana, a agência atualizou seu banco de dados sobre islamofobia, com casos registrados até 2022. Desde o ataque do Hamas, há indícios de que esse tipo de agressão e discriminação também tenha subido, especialmente nas grandes plataformas online.

Segundo levantamento do Instituto para o Diálogo Estratégico, ONG britânica de direitos humanos e contra o extremismo, comentários antissemitas subiram 4.963% no YouTube nos dias seguintes ao 7 de outubro, comparados com os dias anteriores. No mesmo período, a presença de linguagem anti-muçulmana subiu 422% no X (antigo Twitter) após o ataque do Hamas.

Se os dados sobre antissemitismo são irregulares entre os países europeus, o registro e o monitoramento de episódios islamofóbicos são ainda mais precários. Um das poucas fontes oficiais é a Polícia Metropolitana de Londres, que acompanha ambos os casos. Nos primeiros 18 dias de outubro, foram 218 ocorrências de antissemitismo (1.353% a mais em relação ao mesmo período do ano passado) e 101 de islamofobia (aumento de 140%).

Para a Human Rights Watch, a ausência de estatísticas sobre islamofobia indica que crimes de ódio contra pessoas consideradas muçulmanas não estão sendo registrados. "A falta de dados impede respostas políticas eficazes a tais crimes de ódio", disse a ONG, em nota.

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