Descrição de chapéu Mundo leu Estados Unidos

Podcast explora episódio pouco lembrado da intervenção dos EUA em Granada

Há 40 anos, operação apimentou ainda mais as relações do então presidente Ronald Reagan com Cuba e os soviéticos

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São Paulo

Pouca gente se lembra, mas acaba de completar 40 anos a última intervenção militar dos Estados Unidos nas vizinhanças do Brasil. Foi em outubro de 1983, para a deposição do governo marxista da minúscula ilha de Granada, com pouco mais de 100 mil habitantes e não muito longe do litoral da Venezuela.

O episódio, que apimentou ainda mais as relações do então presidente Ronald Reagan com Cuba e os soviéticos, é evocado em podcast da NPR, a rede pública americana de rádio. A produção traz a jornalista Martine Powers, do jornal The Washington Post, e Dessima Williams, hoje presidente do Senado de Granada e, na época da invasão, embaixadora da ilha junto ao governo americano.

Ex-presidente dos EUA, Ronald Reagan, em discurso na Califórnia em 1991
Ex-presidente dos EUA, Ronald Reagan, em discurso na Califórnia em 1991 - J. David Ake - 4.nov.91/AFP

Descoberta por Cristóvão Colombo, Granada passou por Espanha e França antes de se tornar colônia britânica no final do século 18. Enriqueceu os colonizadores com a noz-moscada e, bem depois, com o turismo. Ainda hoje o chefe de Estado local é o rei britânico. O poder é do primeiro-ministro desde a independência, em 1974.

A experiencia política foi confusa, tanto que um golpe em 1979 levou o marxista Maurice Bishop a revogar a Constituição, cancelar eleições e instituir uma república socialista. A medicina gratuita ficou por conta dos médicos cubanos. Engenheiros também cubanos construíam um novo aeroporto para aumentar o turismo.

Bishop afirmava que tinha pouco a ver com Cuba e Nicarágua, porque ele e os cidadãos de Granada falavam o mesmo idioma pátrio dos negros americanos. Estatizou pouco porque havia pouco a ser estatizado. Adotou no campo o modelo das cooperativas.

Os EUA foram para a oposição. Cortaram créditos internacionais —o Reino Unido fez o mesmo— e exigiam eleições que Bishop não queria convocar. Eis que em outubro de 1983 o vice-premiê dá um golpe em nome dos mais radicais e manda fuzilar Bishop e três de seus ministros. Foi a senha para que os americanos acabassem com a festa.

Powers e Williams não têm uma visão partidária da esquerda que nasceu e morreu em Granada. Segundo elas, é bobagem acreditar, a exemplo de Reagan, que o novo aeroporto se converteria em base aérea soviética. Bishop, diz Williams, incorporou um sentido de libertação do negro que corria pelos EUA.

E mais, diz Powers, Granada virou exemplo de subversão para os militantes antirracistas americanos. Seus líderes, como Angela Davis, desembarcavam em visita devota na capital granadina, Saint George.

Com a invasão, houve resistência que durou cinco dias. Foram mortos 18 fuzileiros americanos. Entre os locais, 24 morreram na batalha pelo controle da pista do aeroporto. E um número um pouco maior morreu com o bombardeio, por engano, de uma clínica psiquiátrica.

O curioso é que os americanos não chegaram pelo mar ou por aviões cargueiros. Chegaram de helicópteros, pois neles já cabia o contingente necessário. A jornalista do Post relata que o governo de esquerda estava longe de ser uma unanimidade. Tanto que uma parte da população comemorou a intervenção dos Estados Unidos.

Foi obviamente outra a reação da esquerda na América Latina e na Europa Ocidental. Por mais esquisita que fosse a ideia de a grande potência capitalista invadir a minúscula Granada, a ideia era atribuir aos americanos um projeto imperialista, pouco importava o tamanho geopolítico de sua vítima.

Eleições locais no ano seguinte foram vencidas por um liberal que se relacionava bem com o governo de Washington. O próprio Reagan seria reeleito em 1984, derrotando o democrata Walter Mondale. Granada foi tema ausente da campanha. Havia relativo consenso.

Nos anos seguintes a Guerra Fria se tornaria menos caricatural. Seria de impensável mau gosto que um governante desse ao filho, como o fez Maurice Bishop, o nome de Vladimir Lênin.

Segundo Powers, em 1983 havia o temor de que Reagan repetisse o fantasma do Vietnã, com operações infinitas que envolveriam países vizinhos. Não foi o que aconteceu. Os americanos entraram e saíram em em poucas semanas. A ilha abriga um país minúsculo. No plano internacional, seus problemas também foram miniaturizados.

Alguns se perguntam se valeu a pena atravessar esse curto e desgastante radicalismo, com sangue que correu dos lados de Bishop e de seu efêmero carrasco e sucessor, Bernard Coard. O fato é que a data da invasão americana é hoje em Granada feriado nacional, e o marxismo, não fosse por Cuba, já teria sumido dos governos do Caribe.

Nobody's Backyard

  • Autoria NPR
  • Duração 57 minutos (em inglês)
  • Disponível em https://www.npr.org/2023/11/09/1198908205/throughline-grenada-nobodys-backyard
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