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Aborto e imigração dividem referendo por nova Constituição do Chile

Chilenos citam opção 'menos pior' e vão às urnas cansados após 4 anos de discussão

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Santiago

Temas como aborto, imigração e segurança aparecem nos entornos das urnas montadas no Estádio Nacional de Santiago neste domingo (17), lugar simbólico no Chile por ter sido utilizado como centro de detenção e tortura a opositores durante o regime de Augusto Pinochet (1973-1990).

Mesmo que a atual Constituição do país tenha sido redigida nessa época, parte dos que estão ali dizem que preferem não mudá-la ao ir votar. Os chilenos escolhem hoje se aprovarão ou rejeitarão um novo texto, em clima de cansaço por uma discussão que já dura quatro anos, desta vez liderada pela direita e ultradireita.

O presidente Gabriel Boric vota em referendo por nova Constituição do Chile, em Santiago, neste domingo (17) - AFP/Presidência do Chile

"Votei contra. Prefiro ficar com a Constituição ruim de Pinochet do que com a pior de José Antonio Kast", diz a designer Antonieta Fuentes, 34, do lado de fora do estádio. Ela se refere ao ex-candidato à Presidência e líder do Partido Republicano, legenda ultraconservadora que levou a maioria das cadeiras no conselho constitucional eleito em maio.

"Principalmente pela questão do aborto, porque nos custou muito conseguir avançar em liberar o aborto [em casos de estupro, má-formação do bebê e risco para a mãe]. Agora, se ganha a nova Constituição, uma criança que seja estuprada vai ter que ter esse bebê", argumenta ela.

O novo texto abre brecha para restringir o acesso ao aborto, segundo críticos, e dificultar o procedimento ao adicionar um conceito chamado "objeção de consciência" —o direito de uma pessoa a negar práticas profissionais que sejam contrárias às suas convicções.

Ao votar, o presidente Gabriel Boric, que foi eleito prometendo a reforma na Constituição, mas hoje amarga 60% de reprovação, disse que, "independentemente do resultado, o governo vai seguir trabalhando com as prioridades das pessoas", citando as áreas da segurança, saúde e habitação.

"Hoje, como já foi reiterado nos últimos anos, estamos levando adiante uma votação que mostra que os problemas que temos, resolvemos institucionalmente e por vias pacíficas, confiando no nosso povo. Isso é algo que não devemos minimizar, porque nem todos os lugares são assim", discursou.

Uma piora da violência no país nos últimos anos e uma grande imigração de venezuelanos foram outros assuntos que pautaram o debate, ainda que a Carta Magna não regule essas questões diretamente. A atuação do setor privado nos serviços de saúde, por exemplo, também está em jogo.

Pai e filha, Carlos e Carolina Ronda votaram a favor e contra a nova Constituição do Chile, respectivamente - Júlia Barbon/Folhapress

"Votei a favor porque já estou aposentado e quero certezas. Quero manter meu sistema de aposentadoria e de seguro saúde, que são bons e são privados. Também votei por causa da segurança e do controle migratório, que sou a favor", afirma Carlos Ronda, 72, que antigamente trabalhava no setor de recursos humanos.

"Mas a minha filha pode te dar o outro lado", sugere ele, ao lado da caçula Carolina Ronda, 46. "Seria um grande retrocesso, por tudo que já conquistamos em direitos das mulheres e em outras áreas", declara a cineasta.

É a mesma opinião do antropólogo Tomás Sepúlveda, 51, que havia votado a favor da primeira versão mais progressista do texto, rejeitada em setembro de 2022, mas agora mudou para "contra". Questionado se prefere a Constituição da época de Pinochet, ele responde que o texto atual "não é bem de Pinochet, porque houve muitas reformas".

O antropólogo Tomás Sepúlveda, 51, votou contra a nova Constituição - Júlia Barbon/Folhapress

O clima geral é de escolher o "menos pior", o que para o engenheiro viário Juan Ortega, 64, também seria a Constituição atual. "Votei contra na outra votação também. Essa está um pouco melhor, mas ainda tem coisas de que não gosto", afirma, sem entrar muito em detalhes.

"Eu já estou de saída, quase me aposentando, mas votei pensando nos meus cinco filhos. Estamos cansados, já são três anos nisso. Se não aprova, chega. Fica do jeito que está", diz.

ENTENDA AS MUDANÇAS NA CONSTITUIÇÃO CHILENA

Constituição vigente Proposta constitucional
O Chile é uma república democrática. O Estado do Chile é social e democrático de direito, reconhece os direitos e liberdades fundamentais, os deveres constitucionais, e promove o desenvolvimento progressivo dos direitos sociais, sujeito ao princípio da responsabilidade fiscal e através de instituições estatais e privadas.
É dever preferencial do Estado garantir a execução das ações de saúde, quer sejam prestadas por meio de instituições públicas ou privadas, na forma e nas condições que determine a lei, que poderá estabelecer contribuições obrigatórias. Cada pessoa terá o direito de escolher o sistema de saúde que desejar, seja estatal ou privado. É dever preferencial do Estado garantir a execução das ações de saúde, por meio de instituições estatais e privadas, na forma e nas condições que determine a lei, que poderá estabelecer contribuições obrigatórias. Cada pessoa terá o direito de escolher o sistema de saúde que desejar, seja estatal ou privado.
A lei protege a vida do que está por nascer. A lei protege a vida de quem está por nascer.
A constituição assegura a todas as pessoas (...) a liberdade de consciência, a manifestação de todas as crenças e o exercício livre de todos os cultos que não se oponham à moral, aos bons costumes ou à ordem pública. A Constituição assegura a todas as pessoas (...) o direito à liberdade de pensamento, consciência e religião. (...) Inclui também a objeção de consciência, que será exercida de acordo com a lei.
Sem menção. O Estado implementará medidas de mitigação e adaptação de forma oportuna, racional e justa, ante os efeitos das mudanças climáticas. Da mesma forma, promoverá a cooperação internacional para alcançar estes objetivos.
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