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Indústria de semicondutores de Taiwan é 'escudo de silício' contra a China

Estar na vanguarda da produção de chips proporciona à ilha capital político em Washington e, até certo ponto, em Pequim

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Filip Jirouš

Sinólogo e colaborador da Cadal (Centro para Abertura e e Desenvolvimento da América Latina), pesquisa sistema político da China de forma independente

Apesar de seu tamanho relativamente pequeno, Taiwan desempenha um papel importante na economia mundial devido à sua indústria avançada de semicondutores. Isso não gera apenas riqueza nacional, mas também contribui para a manutenção de sua defesa nacional.

Seu tesouro tecnológico foi forjado na década de 1970, quando os Estados Unidos transferiram parte de sua tecnologia para a ilha buscando terceirizar a fabricação dos semicondutores.

Semicondutores em placa de computador - Florence Lo - 25.fev.22/Reuters

O movimento, que abrangeu uma ampla gama de indústrias, fazia parte de uma tendência mais ampla, na qual políticos e empresas americanas contribuíam para o desenvolvimento de países aliados como Coreia do Sul, Japão e Taiwan. No contexto da Guerra Fria, a lógica era tanto econômica quanto geopolítica, e se justificava ao impulsionar a capacidade industrial de aliados no conflito com a União Soviética. A mesma lógica se aplicaria à China a partir dos anos 1980.

O setor de semicondutores se tornou o mais importante de Taiwan com o passar dos anos, em especial após a criação da Taiwan Semiconductor Manufacturing Company Limited (TSMC) em 1987. Ela e a United Microelectronics Corporation, outra empresa taiwanesa, são as maiores fabricantes de chips por contrato do mundo, e produzem chips principalmente para empresas ocidentais. Juntas, são responsáveis cerca de 90% do fornecimento mundial de chips avançados.

Seu papel é crucial em termos globais, não apenas no que se refere à fabricação de chips, mas também nos âmbitos de pesquisa e desenvolvimento e de distribuição. Frequentemente, é por meio de empresas taiwanesas que a China obtém até mesmo chips americanos e europeus, o que demonstra a influência de Taiwan em toda a cadeia de produção de semicondutores.

Do ponto de vista do governo de Taipé, a indústria de semicondutores é fundamental, o que se reflete em seus programas de subsídios para empresas, bem como em seu envolvimento direto ou indireto nelas. Isso é entendido tanto por políticos da sigla no poder, o Partido Democrático Progressista (PDP), quanto do opositor Kuomintang (KMT), o que significa que as próximas eleições não afetarão significativamente o setor. A motivação para isso é econômica, uma vez que trata-se de um negócio lucrativo, e política: estar na vanguarda da área proporciona a Taiwan capital político em Washington e, até certo ponto, em Pequim.

Assim, Taiwan se tornou um campo de batalha fundamental na atual Guerra Fria entre EUA e China. Pequim tenta replicar o sucesso da indústria taiwanesa de chips e, embora a supere em vendas totais em escala mundial, ainda está atrás dela no quesito tecnologia.

Como a China reivindica Taiwan como seu território, existe uma neutralidade desconfortável entre os dois países. O aumento da pressão de Pequim, inclusive militar, sobre a ilha faz com que Taiwan dependa do apoio dos EUA para sua defesa.

Isso explica por que Taiwan está mais do que satisfeita com as sanções americanas contra o setor chinês de semicondutores, embora isso a curto prazo prejudique suas empresas economicamente. Ao contrário de muitas outras empresas taiwanesas, a participação chinesa nas fabricantes de chips é limitada, e a cooperação entre organizações da ilha e do continente se limita principalmente à terceirização da distribuição e da fabricação, com frequência de tecnologia mais antiga.

Embora a China ainda esteja alguns anos atrás dos gigantes taiwaneses, essa diferença tende a continuar diminuindo. Pequim investiu muito na pesquisa e desenvolvimento de semicondutores avançados. E, ainda alguns dos avanços anunciados pelo gigante asiático possam não ser tão significativos quanto a imprensa estatal diz, o país está progredindo muito. As sanções, sem dúvida, dificultaram o acesso da China à tecnologia mais avançada de chips, mas tornaram o investimento local em inovação uma prioridade cada vez maior para o Partido Comunista Chinês (PCC).

Embora em alguns outros setores (como motores de aviões e foguetes) a China se beneficie do isolamento diplomático da Rússia, não parece ser esse o caso dos semicondutores, já que Moscou também depende quase inteiramente de fornecedores ocidentais. Pequim deve, portanto, confiar em sua própria capacidade de pesquisa e desenvolvimento —ou, alternativamente, nos esforços de suas agências de inteligência para obter tecnologia ocidental ou taiwanesa por meios ilegais ou antiéticos.

Alguns afirmam que as sanções americanas estão falhando, pois fazem a China depender menos da tecnologia ocidental e ser menos vulnerável à pressão diplomática. Ambos os argumentos podem ser contestados. Em primeiro lugar, a política de longo prazo da China era se tornar autossuficiente em tecnologia; e em segundo, em assuntos politicamente delicados, os chineses não têm agido racionalmente e já provaram ser imunes à diplomacia, como demonstra o caso de Hong Kong.

As sanções aplicadas nos últimos três anos claramente atrasaram o avanço tecnológico da China. Mas é muito possível que, a longo prazo, ela alcance Taiwan e o Ocidente, o que complicaria a própria posição econômica e política de Taipé no mundo.

Políticos e empresários taiwaneses entendem e valorizam essa vantagem. Enquanto as empresas tentam manter sua posição privilegiada no mercado global de semicondutores, para os políticos, a indústria de chips é um elemento a ser usado em negociações diplomáticas. Mais importante, ela é considerada crucial para a manutenção da independência de Taiwan na prática. O papel dos fabricantes de chips de Taiwan na defesa nacional é com frequência chamado de "escudo de silício".

O argumento, usado até mesmo pela presidente taiwanesa agora em fim de mandato, Tsai Ing-wen, é que a China se absterá de atacar Taiwan porque isso interromperia as cadeias globais de suprimentos, arriscando em último caso um grande dano à sua própria estabilidade econômica e política.

Alguns observadores afirmam, porém, que de nada adianta aplicar essa "sabedoria convencional" ao Partido Comunista Chinês. Afinal, em muitos casos ele demonstrou que sua política está acima de qualquer lógica racional do tipo, o que significa que, se necessário, a indústria de chips não dissuadirá a China de atacar Taiwan.

O "escudo de silício" poderia, contudo, proteger Taiwan de outra maneira: criando mais incentivos para que os EUA, o resto do Ocidente e o Japão apoiem ativamente a defesa da ilha, incluindo uma intervenção militar visando à manutenção de sua democracia.

Isso poderia dissuadir Pequim de lançar a invasão para a qual está claramente se preparando. Em certo sentido, o que se pensa sobre Taiwan é mais importante para a própria ilha e para a paz mundial do que o que o partido pensa sobre Taiwan.

Todo esse relacionamento está cheio de contradições, e as sanções recentes dos EUA podem afetar negativamente não apenas os fabricantes de chips chineses, mas também os gigantes taiwaneses. O fundador da TSMC afirma, por exemplo, que a política americana está destruindo a globalização de semicondutores ao favorecer os "países amigos" oficiais dos EUA, uma lista em que Taiwan —que os americanos não reconhecem como um Estado independente— não está incluída.

Recentemente, Taiwan tentou expandir sua cooperação na indústria de semicondutores estabelecendo parcerias com mais países. Por sua disposição em ganhar aliados diplomáticos, Taiwan pode estar muito mais disposta a compartilhar sua tecnologia e negócios com Estados que apoiam sua existência, algo que a China frequentemente promete, mas não cumpre. Essa cooperação de outras nações com Taipé contribuiria para dissuadir Pequim de uma possível invasão.

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