Israel acusa ONU de ignorar suspeitas contra agência para palestinos

Secretário-geral das Nações Unidas pede que países revisem suspensão de financiamento à entidade

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São Paulo

O embaixador de Israel na ONU, Gilad Erdan, acusou o secretário-geral da organização, António Guterres, de ignorar o que chamou de "evidências" do envolvimento de funcionários da UNRWA, a agência das Nações Unidas para refugiados palestinos, na incitação ao terrorismo.

"Depois de anos ignorando as evidências mostradas a ele pessoalmente sobre o apoio e envolvimento da UNRWA na incitação e no terror, e antes de lançar uma investigação abrangente para localizar todos os terroristas e assassinos do Hamas na UNRWA, [Guterres] apelou ao financiamento de uma organização que está profundamente contaminada com o terrorismo", afirmou Erdan pelo X neste domingo (28).

O embaixador de Israel na ONU, Gilad Erdan, fala durante cerimônia em comemoração ao Dia Internacional em Memória do Holocausto, na sede da ONU, em Nova York - Charly Triballeau - 26.jan.2024/AFP

O pano de fundo da crítica é a suspeita de que 12 dos 13 mil funcionários da agência tenham se envolvido na ofensiva lançada pelo grupo terrorista contra Israel no dia 7 de outubro, que matou cerca de 1.200 pessoas, segundo Tel Aviv. O ataque deu início à guerra que assola a Faixa de Gaza, território palestino no qual ofensivas israelenses já mataram mais de 26 mil pessoas, de acordo com o Hamas.

A crise teve início na última sexta-feira (26), quando Philippe Lazzarini, Comissário-Geral da agência, disse ter demitido funcionários suspeitos de envolvimento no ataque após ter sido informado das acusações por autoridades israelenses. Na ocasião, ele acrescentou que uma investigação foi aberta e que qualquer funcionário ligado a atos de terrorismo seria responsabilizado, inclusive criminalmente.

A declaração não foi suficiente para os principais financiadores da agência. Desde então, pelo menos nove países, incluindo os principais doadores, EUA e Alemanha, suspenderam os repasses à organização em um contexto de grave crise humanitária na Faixa de Gaza. Neste domingo, o governo da França se somou à lista e anunciou que não prevê nenhum "novo pagamento" à agência até julho.

A interrupção deve causar um enorme impacto nas operações da organização —juntos, Estados Unidos, União Europeia e Suécia foram responsáveis por 61,4% do total de US$ 1,17 bilhões (cerca de R$ 5,75 bilhões na conversão atual) do orçamento da entidade em 2022. Além de conviver com bombardeios há quase quatro meses, o território palestino enfrenta falta de água, comida e medicamentos por causa do bloqueio de Tel Aviv.

Por isso, Guterres pediu uma revisão da medida. "Embora eu entenda as preocupações —eu mesmo fiquei horrorizado com a acusação— apelo veementemente aos governos que suspenderam suas contribuições para, pelo menos, garantir a continuidade das operações da UNRWA", disse o secretário-geral da ONU neste domingo.

A responsabilização, continuou ele, poderia incluir um processo criminal —medida rara dentro do órgão, já que a maioria dos funcionários desfruta de imunidade funcional que Guterres tem o poder de retirar. Lazzarini também instou os países a "reconsiderarem suas decisões antes que a UNRWA seja obrigada a suspender a resposta humanitária".

A preocupação com o destino dos mais de 2 milhões de palestinos que moram na Faixa de Gaza fez outros observadores e trabalhadores humanitários se pronunciaram.

"Doadores, não deixem crianças passarem fome pelos pecados de alguns trabalhadores humanitários individuais", disse Jan Egeland, secretário-geral do Conselho Norueguês para Refugiados. Já o especialista em direito à alimentação nomeado pela ONU, Michael Fakhri, alertou que os cortes de financiamento significam que a fome agora é "inevitável" em Gaza.

O ministro das Relações Exteriores do Egito, Sameh Shoukry, disse estar "surpreso" com a suspensão do financiamento da UNRWA e afirmou que isso levará mais sofrimento aos palestinos. "Essa ação está ligada à política de punição coletiva usada contra civis em Gaza? Essas são perguntas que devemos continuar fazendo", disse ele em uma entrevista coletiva. O Ministério das Relações Exteriores da Turquia também instou os países a reconsiderarem a decisão.

Os cortes provocaram indignação nos palestinos.

"Costumávamos dizer que Israel estava lançando uma guerra de fome contra nós em paralelo à sua guerra de destruição. Agora, esses países que suspenderam a ajuda à UNRWA se declararam parceiros nessa guerra e punição coletiva", disse Yamen Hamad, que está refugiado em uma escola administrada pela UNRWA em Deir Al-Balah, no centro da Faixa de Gaza, após fugir do norte do território.

Para Erdan, porém, "todos os países que continuam a financiar a UNRWA antes de uma investigação abrangente da organização devem saber que o seu dinheiro pode ser usado para o terrorismo". No sábado (27), o ministro das Relações Exteriores de Israel, Israel Katz, já havia pedido para que a agência fosse substituída e instou mais países a cortarem o financiamento.

Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina —espécie de governo transitório reconhecido pela comunidade internacional que hoje controla apenas partes da Cisjordânia— acusou Israel de liderar uma campanha contra a agência para "liquidar a questão dos refugiados palestinos".

Para o alto funcionário do Hamas Sami Abu Zuhri, as acusações israelenses são uma resposta à decisão da Corte Internacional de Justiça na sexta, que ordenou Israel a impedir atos de genocídio em Gaza.

Tel Aviv ainda não divulgou publicamente detalhes sobre o suposto envolvimento de funcionários da UNRWA no ataque a Israel. Guterres, porém, disse que 12 membros foram implicados, nove foram demitidos, um está morto e as identidades dos outros dois estão sendo esclarecidas.

Não houve declarações imediatas dos países envolvidos sobre um eventual restabelecimento da ajuda. No entanto, Noruega e Irlanda disseram que continuarão a financiar a agência.

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