Jornalistas tentam reportar escala da destruição em Gaza sob mísseis e apagões

Obstáculos ao trabalho de profissionais da imprensa de dentro e de fora do território palestino obscurecem detalhes do conflito

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Vivian Yee Abu Bakr Bashir Gaya Gupta
The New York Times

Para os que estão longe da Faixa de Gaza, a guerra parece consistir em um fluxo de manchetes jornalísticas, números de vítimas e fotos de crianças gritando: fragmentos da angústia alheia banhados em sangue.

A verdadeira escala de morte e destruição no território é, no entanto, impossível de compreender. Seus detalhes são obscurecidos pelos apagões das redes de internet e de telefonia; restrições de acesso a jornalistas estrangeiros; e pelos desafios extremos, envolvendo muitas vezes risco de vida, enfrentados pelos moradores locais que trabalham na imprensa.

Familiares e colegas de dois jornalistas palestinos mortos em ataque aéreo na Faixa de Gaza, em novembro
Familiares e colegas de dois jornalistas palestinos mortos em ataque aéreo na Faixa de Gaza, em novembro - Bashar Taleb - 19.nov.2023/AFP

Existem algumas brechas nesse cenário de desinformação, como os perfis no Instagram de fotógrafos em Gaza e um pequeno número de testemunhos que conseguem chegar a público. Entretanto, a cada semana que passa, elas diminuem, à medida que aqueles que documentam a guerra saem do território, desistem da cobertura ou são mortos.

Reportar de Gaza passou a soar como um risco sem sentido para alguns jornalistas locais. "Sobrevivi à morte várias vezes e arrisquei minha vida" para documentar a guerra, escreveu Ismail al-Dahdouh, um repórter da faixa, em uma publicação no Instagram em janeiro em que anunciava estar abandonando o jornalismo.

Pelo menos 78 jornalistas palestinos foram mortos em Gaza desde 7 de outubro, quando terroristas do Hamas atacaram Israel e assassinaram pelo menos 1.200 pessoas —a retaliação israelense já deixou pelo menos 27 mil mortos no território segundo autoridades de saúde ligadas ao Hamas. O Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ, na sigla em inglês) afirma que mais profissionais da mídia —incluindo profissionais de apoio à função considerados essenciais, como tradutores, motoristas e guias— foram mortos lá nas últimas 16 semanas do que em um ano inteiro de qualquer outro conflito desde 1992.

"A cada jornalista morto, perdemos ainda mais nossa capacidade de documentar e entender a guerra", diz Sherif Mansour, coordenador do CPJ para o o Oriente Médio.

O jornal The New York Times e outros veículos internacionais retiraram jornalistas palestinos que trabalhavam para eles de Gaza, embora algumas agências de notícias ocidentais ainda mantenham equipes na área.

Ao mesmo tempo, repórteres estrangeiros têm repetidamente tentado entrar na faixa, mas tiveram seus pedidos negados por Israel e Egito, que controlam as fronteiras locais.

Alguns poucos acataram ofertas do Exército israelense para realizar visitas curtas, que ofereciam visões limitadas do conflito. Um correspondente da CNN relatou brevemente de dentro de Gaza depois de entrar no território com um grupo de ajuda humanitária oriundo dos Emirados Árabes Unidos.

Além desses, apenas jornalistas de Gaza têm trabalhado na área sob ataque desde o início da guerra.

Quase todos os jornalistas que morreram em Gaza desde 7 de outubro foram atingidos por ataques aéreos israelenses, de acordo com o CPJ, que afirma ainda que pelo menos 38 deles morreram em casa, em seus carros ou ao lado de membros de suas famílias.

Isso levou muitos palestinos a acusar Israel de atacar jornalistas, embora o CPJ não tenha ecoado essa acusação. "Israel tem medo da narrativa palestina e de seus jornalistas", diz a repórter Khawla al-Khalidi, 34, que trabalha para a Al-Arabiya, conhecida rede televisiva regional em árabe. "Eles estão tentando nos silenciar cortando as redes."

Nir Dinar, um porta-voz militar israelense, afirma que Israel "nunca visou e nunca visará deliberadamente jornalistas". Mas, alerta, permanecer em zonas de combate ativas traz riscos. Ele ainda chama de "calúnia" a acusação de que Israel estaria cortando deliberadamente as redes de comunicação para impedir a cobertura da guerra.

O Sindicato dos Jornalistas Palestinos, que tem membros tanto em Gaza quanto na Cisjordânia ocupada, contabilizou pelo menos 25 jornalistas locais que, segundo eles, estavam usando coletes à prova de balas com a palavra "imprensa" quando foram mortos, afirma a porta-voz da entidade Shuruq Asad. Alguns jornalistas têm dormido longe de suas famílias com medo de que ficar com seus parentes os coloque em risco, acrescenta ela.

Desde 7 de outubro, Israel bloqueou grande parte do fornecimento de eletricidade à Gaza e proibiu a entrada de ajuda humanitária no território, exceto em pequenas quantidades. A guerra também danificou ou cortou as redes de comunicação, tornando quase impossível para a maioria dos residentes do território dar entrevistas a veículos de mídia estrangeiros. Telecomunicações caíram totalmente mais de meia dúzia de vezes durante o conflito.

Cabe, assim, aos jornalistas de Gaza, que em sua maioria ou trabalham para veículos palestinos e árabes da região —caso da emissora qatari Al Jazeera— ou de forma independente, equipados com pouco mais do que o Instagram, transmitir fragmentos da realidade da faixa para o exterior. Com seus coletes azul-marinho com a palavra "imprensa", instantaneamente reconhecíveis, muitos têm chamado a atenção nas redes sociais.

Toda vez que o fotojornalista independente Amr Tabash, 26, corre para capturar os efeitos de um ataque aéreo, ele diz sentir medo de encontrar membros de sua família entre as vítimas. Foi cobrindo um ataque que ele descobriu que um tio e um primo tinham sido mortos.

"Preciso estar totalmente focado ao reportar" os ataques de Israel, conta ele. "Mas estou sempre preocupado com minha família, e isso ocupa boa parte da minha cabeça."

Outros optaram por deixar Gaza. Motaz Azaiza, fotojornalista que conquistou um grande número de seguidores no Instagram com sua cobertura da guerra, foi para o Qatar na semana passada.

Al-Khalidi, a jornalista da Al-Arabiya, diz nunca ter considerado deixar o jornalismo, mesmo quando o trabalho se tornou extremamente difícil, muito pior do que nas guerras anteriores que ela havia coberto.

Mas desta vez, não é como se ela estivesse reportando os ataques durante o dia e voltando para uma casa confortável à noite. Não há chuveiros quentes, a comida é pouca. Ela e sua família tiveram que abandonar seu lar e procurar abrigo. "Não estamos apenas relatando o que está acontecendo. Somos parte desse cenário."

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