Lula diz que não usou a palavra Holocausto ao comparar ação de Israel com atos de Hitler

Presidente volta a defender cessar-fogo e afirma que não espera compreensão de premiê Binyamin Netanyahu

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Brasília

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse nesta terça-feira (27) que não utilizou a palavra "Holocausto" em sua fala em uma entrevista coletiva na Etiópia, apesar de ter comparado as ações militares de Israel na Faixa de Gaza com o extermínio de judeus promovido por Adolf Hitler.

De acordo com Lula, a sua fala, que desencadeou uma crise diplomática, foi assim interpretada por Binyamin Netanyahu. "Primeiro que eu não disse a palavra 'holocausto'. Holocausto foi interpretação do primeiro-ministro de Israel. Não foi minha", disse, em entrevista ao jornalista Kennedy Alencar, na Rede TV. A íntegra da conversa só vai ao ar às 22h desta terça, mas este trecho já foi divulgado.

Lula, de fato, não utilizou a palavra "Holocausto" durante entrevista concedida em Adis Abeba, capital da Etiópia. No entanto, o termo está diretamente ligado ao extermínio do povo judeu, justamente a ação mais grave cometida por Hitler contra um povo.

"Sabe, o que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino, não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus", afirmou Lula na ocasião.

Lula é um homem idoso, branco, com cabelos e barba curtos e brancos; ele veste terno azul-escuro, camisa azul-bebê e gravata roxa; ele discursa em um púlpito
O presidente Lula discursa em cúpula da União Africana, na Etiópia - Ricardo Stuckert - 17.fev.24/Divulgação Presidência da República via AFP

O presidente tem reiterado que vê genocídio nas ações militares de Israel no território palestino. Na entrevista à Rede TV, repetiu que defende um cessar-fogo na região, bem como a viabilização da entrega de alimentos e remédios e a criação de um corredor humanitário.

Disse ainda não esperar que Netanyahu compreenda essas reivindicações. "Porque eu conheço o cidadão historicamente já há algum tempo, eu sei o que ele pensa ideologicamente", diss Lula sobre o premiê. O presidente brasileiro não deu sua definição sobre o que chama de ideologia de Netanyahu, mas este, ao voltar ao poder depois das últimas eleições, formou o governo mais à direita da história do país.

O governo israelense, inclusive, foi próximo ao de Jair Bolsonaro (PL) —parte dessa relação de proximidade ficou demonstrada pelo número de bandeiras de Israel durante as manifestações de apoio ao ex-presidente na avenida Paulista no último domingo (25).

"Muito obrigado ao povo brasileiro por apoiar Israel. Nem mesmo Lula conseguirá conseguirá nos separar", escreveu em uma publicação no X o chanceler de Tel Aviv, Israel Katz. Ele próprio foi autor de outras publicações com tom semelhante, sempre com críticas diretas ao presidente brasileiro e com marcações do perfil de Lula na rede social.

Além disso, uma publicação feita por uma página administrada pela diplomacia de Israel fez a menção mais dura à fala de Lula, chamando-o de "negacionista do Holocausto".

A declaração em tom ácido foi a resposta do perfil israelense à publicação de outro perfil, sem nenhuma ligação com a crise diplomática que, com uma imagem da bandeira do Brasil, perguntava: "O que vem à cabeça quando você pensa no Brasil?"A conta oficial da diplomacia de Israel republicou a postagem e escreveu: "Antes ou depois do presidente Lula se tornar um negacionista do Holocausto?"

Mesmo sem citar o Holocausto diretamente, a declaração do presidente foi o gatilho para o atrito aberto com o governo de Netanyahu. O discurso de Lula já vinha sendo crítico a Israel —depois de condenar os ataques do Hamas, por exemplo, o presidente classificou de "insana" a resposta militar de Tel Aviv—, mas para Bibi, como é conhecido o premiê israelense, a comparação com o Holocausto "cruzou a linha vermelha".

Lula foi então declarado "persona non grata" por Israel —na prática, um rótulo que cria uma série de embaraços diplomáticos, embora nenhuma sanção política ou jurídica. Ele ainda viu o embaixador do Brasil em Tel Aviv, Frederico Meyer, ser chamado para dar explicações no Yad Vashem, o mais importante memorial sobre o Holocausto, num ato encarado pelo governo brasileiro como armado para constranger o diplomata.

A resposta de Brasília foi diplomática —o governo convocou o embaixador de Israel no Brasil, Daniel Zonshine, para dar explicações e depois chamou Meyer para voltar ao país. Manteve ainda a possibilidade de expulsar Zonshine, um gesto diplomático drástico que sinalizaria uma ruptura mais grave.

A chancelaria de Israel também cobrou, em mais de uma ocasião, uma retratação pública de Lula —o que não aconteceu nem deve acontecer. Além de o próprio presidente ter reiterado sua acusação de genocídio contra Tel Aviv e de agora tentar contornar a crise alegando que não usou a palavra "Holocausto", membros do alto escalão de seu governo deixaram claro que não veem motivo para um recuo no discurso.

Em entrevista à Folha, o ex-chanceler e atual assessor especial de Lula para política externa Celso Amorim disse que a situação atual em Gaza —que ele descreveu como "matança"— fecha possibilidades de negociação. "Não sei se ele [Netanyahu] faz isso por demagogia interna ou por qualquer outra razão, mas certamente se ele está esperando isso não vai receber. Não posso falar pelo presidente, mas eu não vejo nada, não vejo razão para o presidente se desculpar".

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