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Milei tenta conter impacto da explosão de preços na classe média argentina

Grupo é afetado por aumentos em escolas particulares, planos de saúde e gasolina no país

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Buenos Aires

Na emergência de um hospital privado em Buenos Aires, o enfermeiro Matías Sánchez, 38, faz um curativo na testa de uma paciente enquanto responde quanto deve custar a sutura sem plano de saúde. "Bom, ainda é pagável", diz ela. "Por enquanto", rebate ele.

Sem contar com as ajudas anunciadas aos mais pobres pelo governo de Javier Milei, a classe média que ainda consome saúde e educação privadas na Argentina tem sido uma das principais impactadas pela explosão de preços que o país vive desde dezembro.

O presidente da Argentina, Javier Milei, durante visita a Jerusalém, em Israel
O presidente da Argentina, Javier Milei, durante visita a Jerusalém, em Israel - Ammar Awad - 7.fev.24/Reuters

A inflação, que já vinha alta desde 2022 e durante as eleições no ano passado, disparou ainda mais depois que o novo presidente desvalorizou a moeda local e acabou com congelamentos impostos pela gestão peronista anterior, admitindo que nos primeiros meses as medidas exigiriam "sacrifícios dolorosos" da população.

Nesse estrato da sociedade, isso tem significado comprar menos ou piores produtos no mercado, deixar o carro na garagem, cancelar o plano de saúde ou até mudar os filhos de escola, cujas mensalidades devem subir de 30% a 50% neste ano letivo. Por isso, agora, o ultraliberal começa a falar em auxílios também para esse grupo.

"Vamos incorporar um mecanismo de assistência à classe média para que as crianças não percam o colégio. Se a renda cai e você tem que mudar as crianças de escola, é traumático para pais e filhos", disse Milei a uma rádio local nesta quinta (15), às vésperas da volta às aulas em março.

O anúncio acontece depois que ele eliminou subsídios de transportes e energia e praticamente zerou os repasses não obrigatórios às províncias, seguindo seu grande objetivo de reduzir gastos, reequilibrar as contas públicas e liberalizar a economia —e travando uma guerra com governadores no caminho.

"Casta a la vista, baby", postou Milei no último dia 8, numa montagem de si próprio que evoca a célebre frase do filme "Exterminador do Futuro" contra governadores, deputados e sindicalistas. Depois de um período de alianças, ele os acusa de terem travado seu pacote de reformas liberais apelidado de "lei ônibus" no Congresso.

Os governadores chegaram a ameaçar deixar o governo federal sem energia ou acesso aos portos se ele não voltar atrás. "Só falta o presidente bater no Chapolin Colorado, aí não sobra mais ninguém na Argentina", disse o governador de Córdoba, Martín Llaryora, um dos que começaram apoiando o governo.

A ajuda escolar à classe média, segundo Milei, virá em forma de vouchers para o pagamento de mensalidades e materiais escolares, algo que Milei prometeu durante a campanha eleitoral. Mas ainda não se sabe como eles serão implementados, quais os valores ou quantas pessoas o receberão. Nem se serão suficientes.

"Usar serviços privados é um dos principais critérios de construção da classe média na Argentina, enquanto a classe baixa usa serviços públicos. A grande pergunta é: ela vai conseguir sustentar isso?", diz Julio Birdman, cientista político e professor da UBA (Universidade de Buenos Aires).

Ele também destaca que as diferenças entre a classe média e média alta no país, que hoje não são tão distantes, devem se ampliar. "Elas são próximas culturalmente, consomem de maneira parecida e usam serviços privados. Agora, pode ser que a situação fique mais parecida à do Brasil ou do Chile", afirma.

No primeiro trimestre do ano passado, a pirâmide salarial da Argentina tinha 5% da população na classe alta, 45% nas classes médias (alta ou baixa) e outros 50% nas classes baixas, segundo os últimos dados divulgados da consultoria W. Os níveis de pobreza, porém, subiram desde então.

Por enquanto, Milei tem concentrado as ajudas nesse último grupo, que não consegue pagar os preços no mercado e já chega a pular refeições e limitar-se a ensopados ou massas.

Depois de ampliar os valores do auxílio por filho e do cartão alimentar, ele anunciou nesta sexta (16) um aumento de 311% na ajuda escolar, de 17 mil para 70 mil pesos (R$ 70 para R$ 300 na cotação paralela). Isso ao mesmo tempo em que revisa quem recebe os benefícios e ameaça retirá-los de quem bloquear ruas em protestos.

"Milei é como um [Jair] Bolsonaro com os votos de Lula, ele tem os votos da população mais pobre do país, também por isso aumenta os subsídios", diz Birdman, analisando que as medidas "revolucionárias" do presidente ultraliberal estão gerando um novo sistema de ganhadores e perdedores no país.

Entre o último grupo, além da classe média, estão os trabalhadores informais, que têm mais dificuldade de ampliar salários sem o respaldo de sindicatos. A faxineira Claudia Garcia, 43, por exemplo, não aumenta o valor da hora de trabalho desde dezembro, mesmo com a explosão nos preços no período: "Senão o patrão vai pensar que é abuso", diz.

Entre os ganhadores, por outro lado, estariam o campo e os exportadores, que podem vender seus produtos a um dólar mais favorável; os empresários, empreendedores e vendedores, que atuam com menos restrições do Estado; e também os trabalhadores dos setores mais beneficiados.

Milei faz suas primeiras mudanças radicais de austeridade apostando no apoio que teve nas urnas de 56% da população, a quem nunca mentiu sobre as consequências. A grande questão é quanto tempo a sociedade argentina vai aguentar. "Os 26% que só votaram nele no segundo turno terão menos paciência", pondera Birdman.

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