Míssil de Kim usado por Putin na Ucrânia tem peças dos EUA

Partes europeias e asiáticas também foram achadas, colocando em dúvida eficácia de sanções a Pyongyang

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São Paulo

Análise dos destroços de um míssil balístico produzido na Coreia do Norte e disparado pela Rússia contra a Ucrânia no começo do ano mostrou que o armamento era composto por centenas de peças vitais feitas nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia.

E não eram componentes antigos: 76,7% dos itens identificados foram fabricados de 2021 para cá, colocando em evidência a ineficácia do regime de sanções que é aplicado para tentar coibir Pyongyang de desenvolver armamentos sofisticados.

Míssil balístico de curto alcance semelhante ao achado na Ucrânia é lançado pela Coreia do Norte em teste
Míssil balístico de curto alcance semelhante ao achado na Ucrânia é lançado pela Coreia do Norte em teste - KCNA/KNS - 14.mar.2023/AFP

A descoberta foi divulgada nesta terça (20) pelo CAR (Pesquisa de Armamento de Conflito, na sigla inglesa), uma organização privada bancada pela União Europeia que estuda o trânsito de armas pelo mundo.

O míssil em questão foi disparado em 2 de janeiro do sul da Rússia contra Kharkiv, a segunda maior cidade ucraniana, no norte do país invadido há quase dois anos por Vladimir Putin. Segundo as Forças Armadas de Kiev e a Casa Branca, era um modelo de curto alcance KN-23 ou KN-24, que podem atingir alvos a 700 km e 400 km, respectivamente.

A descoberta foi apresentada como a primeira prova do fornecimento de armas norte-coreanas para a Rússia, o que analistas acreditam ter sido selado de forma definitiva após o encontro entre Putin e o ditador Kim Jong-un, em setembro passado —cúpula que tem rendido frutos diversos, como tecnologia espacial para Pyongyang e até uma limusine russa para o líder.

O Kremlin e o regime norte-coreano não comentam as especulações. Mas a análise do CAR dá uma nova perspectiva. Ela não diz quantas peças ao todo recuperou do míssil, mas apontou que 290 delas eram estrangeiras, quase todas ligadas ao sistema de navegação da arma, sua parte eletrônica mais sofisticada.

Dessas, nada menos que 75% eram americanas, 16%, europeias, e 9%, de outros países da Ásia. Não é especificada a proporção de material norte-coreano ou russo, por exemplo, mas usualmente ele estaria ligado a partes menos tecnológicas —nenhum dos dois países produz chips avançados.

O CAR listou 26 empresas de EUA, Alemanha, Holanda, Suíça, China, Japão, Taiwan e Singapura como fabricantes, mas não revelou seus nomes. Disse estar em contato com cada uma para descobrir o caminho que seus componentes percorreram até, de alguma forma, driblar as barreiras comerciais sobre a ditadura de Pyongyang.

O país sofre um dos regimes mais severos de sanções do mundo desde que explodiu sua primeira bomba atômica, em 2006. Mantém negócios principalmente com a Rússia e com a China, sofrendo restrições diversas da ONU, da União Europeia, dos EUA e de diversos aliados.

O fato de usarem chips e outros equipamentos eletrônicos em suas armas demonstra o que já se sabe: há formas de triangular o envio desses produtos por meio de países amigos ligados a terceiros. Mesmo a economia russa, sob o regime mais duro de sanções hoje no mundo, segue com sua produção de mísseis de cruzeiro e outras armas sofisticadas que não prescindem de chips avançados.

Outro achado do CAR foi a data de produção final do míssil em questão: não antes de março de 2023. Como já havia boatos de que os norte-coreanos fechariam um acordo com Putin, assim como os iranianos forneceram drones e talvez mísseis balísticos, a entidade especula se a encomenda já não havia sido feita.

As sanções internacionais sobre a Coreia do Norte visam, acima de tudo, asfixiar seu desenvolvimento balístico. Não tem dado certo: desde que iniciou sua campanha de pressão sobre o Ocidente em 2017, só para afrouxá-la e apertá-la novamente, Kim tem testado uma gama variadíssima de mísseis.

Entre eles, mísseis de cruzeiro, modelos lançados de submarinos e versões intercontinentais que, se forem resolvidas questões de miniaturização de ogiva nuclear e de confiabilidade de sua reentrada na atmosfera, podem atingir alvos na costa oeste dos EUA. Tecnologia para tal a Rússia tem, de sobra.

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