Blinken diz a Lula que não há genocídio em Gaza e relata história de familiar no Holocausto

Chefe da diplomacia reforça posição dos EUA, favorável a Tel Aviv, mas diz que encontro com brasileiro foi ótimo

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Brasília

O chefe da diplomacia dos Estados Unidos, Antony Blinken, afirmou ao presidente Lula (PT) nesta quarta-feira (21) que os Estados Unidos discordam das acusações que apontam Israel como autor de um genocídio na Faixa de Gaza.

Dias depois de Lula ter comparado a ação israelense ao Holocausto nazista, o secretário de Estado americano aproveitou a reunião com o presidente para dar um depoimento de cunho pessoal: segundo relatos, mencionou a Lula a história de seu padrasto, Samuel Pisar, sobrevivente de campos de concentração nazista.

Blinken chegou ao Palácio do Planalto na manhã desta quarta. A reunião ocorreu ainda sob a repercussão das declarações de Lula no domingo (18), na Etiópia. A comparação da ofensiva militar de Tel Aviv em Gaza ao extermínio de judeus na Segunda Guerra Mundial desencadeou uma crise diplomática com o governo de Binyamin Netanyahu, fez Lula ser declarado persona non grata em Israel, gerou críticas da comunidade judaica no Brasil e deu combustível para a oposição bolsonarista desgastar o governo.

Como resposta, o Itamaraty convocou o embaixador do Brasil em Tel Aviv para consultas e avalia expulsar o embaixador israelense caso a tensão diplomática se agrave.

O presidente Lula recebe o chefe da diplomacia dos Estados Unidos, Antony Blinken. - Gabriela Biló/Folhapress

De acordo com relatos, Blinken reafirmou a Lula a posição americana de que não há genocídio em Gaza, mas sem citar diretamente a fala do brasileiro na Etiópia. Nesse contexto, Blinken, que é judeu, abordou a história de seu padrasto —Pisar, morto em 2015, era criança quando foi mandado a Auschwitz, o mais famoso dos campos de concentração.

Procurada, a embaixada dos EUA em Brasília não comentou o episódio.

Também durante o encontro, Blinken defendeu a criação de um Estado da Palestina, mas ressaltou outros tópicos já públicos da diplomacia americana, entre eles a de que preocupações de segurança de Israel precisam ser consideradas.

A chamada solução de dois Estados é, historicamente, uma posição defendida pela diplomacia brasileira.

"O secretário teve a oportunidade de discutir os comentários com o presidente Lula hoje, no seu encontro, no contexto da discussão ampla sobre o conflito em Gaza, e deixou claro, como eu fiz ontem [terça], que são comentários com os quais não concordamos", disse o porta-voz do Departamento de Estado, Matthew Miller, em entrevista coletiva em Washington. Na véspera, ele havia afirmado a posição da Casa Branca —"não acreditamos que o que tem ocorrido em Gaza seja genocídio".

Auxiliares palacianos celebraram o fato de a solução de dois Estados ter sido reforçada por Blinken na reunião com Lula, por destacar convergência com o Brasil. O encontro durou quase duas horas.

"O secretário agradeceu pela atuação do Brasil pelo diálogo entre Venezuela e Guiana. O presidente Lula reafirmou seu desejo pela paz e fim dos conflitos na Ucrânia e na Faixa de Gaza. Ambos concordaram com a necessidade de criação de um Estado palestino", disse o Planalto após a reunião, em nota.

Ao final, o americano falou rapidamente com a imprensa no local. "Foi ótima a reunião. Sou muito grato ao presidente [Lula] pelo seu tempo. Os EUA e o Brasil estão fazendo coisas muito importantes juntos. Estamos trabalhando juntos bilateralmente, regionalmente, mundialmente. É uma parceria muito importante e somos gratos pela amizade", afirmou Blinken.

A diplomacia americana afirmou em um comunicado que o secretário "discutiu o empenho dos EUA em relação ao conflito em Gaza, incluindo o trabalho urgente com parceiros para facilitar a libertação de todos os reféns e para aumentar a assistência humanitária e melhorar a proteção dos civis palestinos".

Lula falou sobre o que considera desproporcionalidade na reação do governo Netanyahu, com mortes de milhares de mulheres e crianças na região, e Blinken lembrou das sanções do governo americano a colonos judeus, coordenadores e participantes de atos ou ameaças de violência contra civis, intimidação, destruição e tomada de propriedades e participação em atividades terroristas na Cisjordânia.

De acordo com o Planalto, Lula defendeu ainda a necessidade de reformar organismos financeiros internacionais e o próprio Conselho de Segurança da ONU, "no que foi apoiado pelo seu interlocutor". Esta também foi a principal pauta do discurso do ministro Mauro Vieira (Relações Exteriores) na reunião de chanceleres do G20, no Rio de Janeiro.

Sobre Venezuela, o texto do Departamento de Estado americano diz que Blinken elogiou o papel de Lula para diminuir as tensões em Essequibo —o território guianense foi o centro de uma crise diplomática com Caracas, cujo ditador chegou a fazer um referendo para embasar seu objetivo de anexar a região.

A nota também afirma que Blinken reforçou a posição dos Estados Unidos de que" Nicolás Maduro deve retornar à implementação do acordo do roteiro eleitoral de Barbados [firmado entre o ditador e parte de seus opositores em outubro de 2023 na ilha caribenha] para garantir eleições presidenciais competitivas em 2024".

A Guerra da Ucrânia, como esperado, também entrou em discussão. Lula destacou que só com a paz é possível mobilizar recursos para o desenvolvimento e a inclusão social. Já o americano disse que espera "uma paz justa".

Além disso, os dois debateram sobre meio ambiente e transição energética, direitos de trabalhadores e ações internacionais de combate à fome. Os Estados Unidos disseram que estudam fazer nova remessa de recursos ao Fundo Amazônia, o que depende de aprovação do Congresso americano.

O secretário americano desembarcou em Brasília na noite de terça-feira (20). Depois do encontro com Lula, seguiu para o Rio de Janeiro, onde se juntou à reunião de chanceleres do G20.

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