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China busca amigo de Kissinger para contornar 'guerra inevitável' com EUA

Xi Jinping dialoga com Graham Allison, antigo colaborador do diplomata americano, sobre 'armadilha de Tucídides'

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Pequim

Na última semana, quando dezenas de CEOs das maiores empresas ocidentais estavam presentes na China para fóruns econômicos, o dirigente Xi Jinping e seu chanceler, Wang Yi, deram mais atenção a um acadêmico americano: Graham Allison, 84.

O cientista político de Harvard passou uma hora em conversa reservada com Wang e foi colocado em destaque no encontro de Xi com os executivos, na quarta-feira (28) —foi para ele que o líder chinês dirigiu parte do que falava, sorridente.

O professor de Harvard Graham Allison conversa com Wang Yi, ministro das Relações Exteriores da China, em Pequim - Yue Yuewei - 26.mar.24/Xinhua

No relato da agência estatal Xinhua, uma das questões discutidas foi que a "armadilha de Tucídides não é inevitável". Allison cunhou a expressão num artigo publicado no Financial Times em 2012 e a popularizou em seu livro "A Caminho da Guerra", de 2017.

Para ele, quando uma potência em ascensão ameaça uma potência hegemônica, na maioria das vezes o resultado é a guerra. A ideia foi inspirada em uma análise do general e historiador grego Tucídides sobre a guerra do Peloponeso: "Foi a ascensão de Atenas e o medo que isso inspirou em Esparta que tornaram a guerra inevitável". No livro, Allison revisa paralelos históricos para abordar se um conflito entre China e Estados Unidos também é inevitável.

O que explica em parte a atenção dos líderes chineses a Allison é o lançamento, realizado na última sexta-feira (22), no think tank Centro para China e Globalização (CGC), de seu novo livro "Escaping Thucydides' Trap" (escapando da armadilha de Tucídides, ainda sem publicação no Brasil).

Falando longamente no lançamento, no centro da capital, ele recorreu a palavras do próprio Xi. Citou um encontro do líder com o senador americano Chuck Schumer, em outubro. Na ocasião, o chinês havia dito que "a armadilha de Tucídides não é inevitável", e que "a Terra é grande o bastante para acomodar a prosperidade tanto da China quanto dos Estados Unidos", se os dois países forem "responsáveis diante da história".

Graham Allison, cientista político e professor de Harvard
Graham Allison, cientista político e professor de Harvard - Martha Stewart/Divulgação

Na conversa com Schumer, ressaltou Allison, Xi "adicionou uma nova ideia, uma frase que eu nunca tinha visto ou ouvido: 'Eu estou em vocês, e vocês estão em mim'". "Sério, o que isso significa?", o acadêmico tinha se questionado.

Xi respondeu a Allison no encontro de quarta: "O que eu quis dizer com 'eu estou em você, e vocês estão em mim' quanto à China e os EUA? [Que] é tudo uma questão de comunicação! Por meio de intercâmbio, cooperação e, eventualmente, integração. O mesmo se aplica a pensamentos. Divergências sempre existirão. O objetivo é buscar unidade na diversidade e tolerar diferenças menores".

Para que essa integração aconteça, prosseguiu o líder, "pessoas de todas as áreas da vida de ambos os países devem se envolver em mais intercâmbio, comunicação e cooperação, para construir consenso".

Allison replicou, segundo relato da rede CCTV, ter sido "sempre um leitor sério [de Xi Jinping], estudando seus pensamentos, discursos e entrevistas coletivas".

A liderança chinesa busca em Allison, que foi subsecretário da Defesa no governo Bill Clinton, parte da interlocução e do apoio que tinha no ex-secretário de Estado Henry Kissinger, morto em novembro —quatro meses após ser recebido por Xi como um "velho amigo do povo chinês". A aproximação dos dois países, a partir dos anos 1970, é creditada ao diplomata americano.

Allison foi aluno, amigo e por fim, nos últimos anos, o principal colaborador de Kissinger. Escreveram para a Foreign Affairs, em outubro, o ensaio "O Caminho para o Controle de Armas de Inteligência Artificial (IA)", com o subtítulo "EUA e China precisam trabalhar juntos para evitar a catástrofe". Os líderes das "duas superpotências de IA" deveriam abrir negociações para criar uma agência internacional, na visão dos dois especialistas.

A extensa conversa de Allison com Wang Yi, que acumula as funções de chanceler e diretor da comissão do Partido Comunista Chinês que formula a política externa, parece ter sido mais específica, prática. Segundo o acadêmico, foi "privada, franca e 'off-the-record' [confidencial], sobre os caminhos que a China está seriamente buscando para escapar da armadilha de Tucídides".

Nas intervenções públicas desta semana, Allison foi mais genérico, dizendo estar "encontrando muitos insights e pistas na filosofia chinesa, que tem historicamente a capacidade de abraçar contradições e complexidades".

Segundo o americano, essas características oferecem "o guia conceitual para uma relação que está fadada a ser a rivalidade mais feroz de todos os tempos e, simultaneamente, uma parceria densa, em que a sobrevivência dos rivais exige cooperação".

Um desses "insights" foi tirado de Sun Tzu, famoso autor de "A Arte da Guerra", sobre Wu e Yue, dois inimigos mortais que estão num navio a caminho da prisão. O navio afunda e eles acabam dividindo um bote largo, em que são obrigados a coordenar remadas, um de cada lado, para chegar à praia. "Para sobreviver, eles têm que cooperar", disse Allison no CCG.

Dias depois, na quinta-feira (28), a história era ecoada pelo ex-secretário do Tesouro americano Lawrence Summers, que foi colega de Allison no governo Clinton, durante um fórum em Hong Kong. EUA e China, disse Summers, são como "dois caras que não gostam um do outro, não se conhecem bem, e se veem num mar turbulento num bote que requer dois remos".

Erramos: o texto foi alterado

Tucídides escreveu sobre a guerra do Peloponeso, não a de Troia, como afirmava versão anterior do texto, por erro da edição

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