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Famílias em Cuba relatam falta de comida e energia em meio a crise; veja vídeo

Regime de Havana admite apagões recorrentes e problemas para importar alimentos; faltam pão e leite para a população

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Leticia Pineda
Havana | AFP

Desde a hora em que acorda até quando vai dormir, Diana Ruiz, 31, não para de pensar sobre que comida dará para seu filho de seis anos —um dilema de muitas mães cubanas diante da escassez de alimentos e dos apagões na ilha.

"A primeira coisa em que penso quando me levanto da cama é o que vou dar de comer a meu filho e, quando me deito, o que posso dar a ele para merendar, para o seu café da manhã", conta Ruiz, uma dona de casa que está grávida, com quatro meses de gestação, e vive em Nuevo Vedado, bairro central de Havana.

Diana se move no pequeno espaço entre o armário, onde guarda um pouco de arroz e alguns pães, e a geladeira, onde conserva um hambúrguer, duas garrafas de água e uma vitamina de frutas congelada. "Isso é tudo", diz, desesperançosa, em sua casa, na qual também vive com seu pai, que perdeu a visão.

Mulher negra sentada em sofá com a mão no queixo ao lado de criança em sala de estar
A cubana Diana Ruiz ao lado de seu filho em sua casa em Havana - Yamil Lage - 27.mar.2024/AFP

As queixas de falta de alimentos, somados aos longos apagões que ameaçam o pouco que a população cubana tem na geladeira, levaram centenas a se manifestarem em 17 de março em pelo menos quatro cidades do país, nos maiores protestos registrados desde as históricas marchas antigovernamentais de 11 de julho de 2021.

Estes atos incomuns começaram em Santiago de Cuba, a segunda cidade mais importante do país, no leste, cujos moradores estavam passando até 13 horas diárias sem eletricidade. "Comida e energia" foi a demanda dos manifestantes, entre os quais havia muitas mulheres.

O líder do regime, Miguel Díaz-Canel, admitiu, dias depois, "um acúmulo de longos apagões que irritam bastante a população". Cuba também tem "carência de alimentos" pelas "interrupções na distribuição oportuna da cesta" básica, acrescentou.

A ONG de direitos humanos Justicia 11J registrou 17 detenções relacionadas aos protestos, enquanto a Prisoners Defenders, com sede na Espanha, documentou a apreensão de 38 pessoas, das quais seis foram libertadas.

As autoridades afirmaram em 2023 que enfrentavam dificuldades financeiras para importar 100% dos produtos da cesta básica que são distribuídos a preços subsidiados, por meio de mecanismos de racionamento, aos 11 milhões de cubanos. Enquanto isso, segundo cifras oficiais, a produção agropecuária caiu 35% entre 2019 e 2023.

Em fevereiro, Cuba solicitou pela primeira vez apoio ao Programa Mundial de Alimentos (PMA) da ONU para garantir o abastecimento de leite às crianças, depois de anunciar que não poderia completar as porções daquele mês.

No início do ano, as autoridades também tiveram dificuldades para entregar pão, devido ao atraso dos barcos com trigo que Cuba compra no exterior e a avarias em quatro dos cinco moinhos que existem no país. Isso permitiu a produção de apenas pouco mais de um terço da demanda nacional total.

Embora a capital não sofra os longos apagões que afetam o restante das províncias, para muitos os alimentos chegam a conta-gotas.

"Vêm de pouquinho em pouquinho, um quilinho hoje e, dentro de tantos dias, outro quilinho", diz a aposentada Aracely Hernández, 73, moradora de Bacuranao, na periferia de Havana.

Ela conta que recebe 1.500 pesos de pensão (pouco mais de R$ 300 no câmbio oficial) e que um pacote de frango lhe custa o dobro fora do sistema de racionamento. "É preciso economizar e pedalar, porque tudo está muito caro."

Desde 2021, lojas que não pertencem ao regime também vendem leite, pão, frango e outros produtos básicos, mas seu preço é muito alto em relação ao salário médio.

Em sua pior crise econômica em três décadas, a ilha registra uma escalada inflacionária. Em 2021, os preços dispararam 70%; em 2022, 39%; e em 2023, 30%. Essas taxas não são vistos pelos cubanos desde o triunfo da Revolução Cubana, em 1959.

Para Arturo López-Levy, pesquisador associado à faculdade de relações internacionais na Universidade de Denver, a exacerbação das sanções de Washington dificulta todos os esforços de Cuba. Ele considera, contudo, que "o governo cubano optou por um sistema muito hostil às estruturas do mercado" e que "está em crise".

O governo "tenta pregar uma moral igualitária que não pode sustentar", acrescenta. "O que há por trás dos protestos? Fundamentalmente, escassez e uma ruptura do pacto social" entre a população e o governo comunista, afirma ele.

Esse pacto não pode se sustentar no passado, continua López-Levy, referindo-se às primeiras décadas da revolução, quando Cuba tinha condições de vida melhores graças ao forte apoio que recebia da extinta União Soviética.

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