Descrição de chapéu América Latina

Cuba reconduz Díaz-Canel ao poder em meio a crises e repressão a opositores

Sem adversários, vetados pelo Partido Comunista, líder cubano foi reeleito por deputados em votação sem surpresas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Os deputados cubanos reconduziram ao poder o líder Miguel Díaz-Canel, em uma votação sem surpresas nesta quarta (19). A monotonia da sessão no Parlamento, porém, não reflete o ambiente da ilha nos últimos anos, quando crises políticas e econômicas desaguaram em protestos e repressão a opositores.

No cargo desde 2018, o engenheiro Díaz-Canel, 62, foi reeleito para seu segundo e em tese último mandato de cinco anos, de acordo com a legislação local. Ele era o único candidato —Cuba não reconhece siglas além do Partido Comunista. Dos 462 deputados presentes, 459 votaram pela sua permanência, e dois, em branco. A mídia estatal não especificou se o voto faltante foi contrário ao líder.

Cartaz em Havana retrata o ex-líder cubano, Raúl Castro, e seu sucessor, Miguel Díaz-Canel - Alexandre Meneghini - 17.abr.23/Reuters

A presidente da Assembleia, Esteban Lazo, 79, foi mantida no cargo em que está desde 2013 com 461 votos a favor e uma abstenção; Ana María Mari Machado, 59, também segue na Vice-Presidência da Casa.

Díaz-Canel chegou ao poder em 2018 como o primeiro líder nascido após a revolução (1959) e o primeiro não Castro —Fidel morreu em 2016, e Raúl deixou o comando há cinco anos para dar lugar ao engenheiro.

A transferência de poder, porém, foi controlada e lenta, para garantir que o novo líder fosse fiel aos ideais da revolução. "Sua ascensão não foi fruto do acaso ou da pressa", afirmou Raúl no discurso de despedida.

"Tínhamos a certeza de que havíamos acertado em cheio. Quando eu faltar, ele poderá assumir o cargo de primeiro-secretário do Partido Comunista", completou, em referência à cadeira que à época ocupava e que passou a Díaz-Canel em 2021. Nesta quinta, a sessão foi encabeçada pelo atual e pelo antigo líder.

A ausência de farda no primeiro civil a liderar a ilha em 60 anos não abrandou a repressão a opositores. Em julho de 2021, as maiores manifestações no país desde a revolução deixaram um morto, dezenas de feridos e mais de 1.300 presos, segundo a ONG Cubalex, com sede em Miami. Após os atos, o país registrou êxodo migratório sem precedentes: mais de 300 mil cubanos deixaram a ilha apenas em 2022.

Um dos motivos da insatisfação dos cubanos é a crise econômica que, agravada pela pandemia, piorou a falta de alimentos, remédios e combustível. Cuba passa pelo seu pior período na economia desde os anos 1990, quando a ilha enfrentou o chamado "período especial" ao ser impactada pelo fim da União Soviética, já que a parceira amortecia o embargo dos EUA. Em vigor desde 1962, a punição de Washington ao regime da ilha voltou a ser endurecida com o republicano Donald Trump durante o mandato de Díaz-Canel.

Na tentativa de dar continuidade às reformas de Raúl Castro, o atual líder implementou, no início de 2021, uma reforma para acabar com a taxa de um dólar por peso cubano, que vigorava havia décadas e gerava distorções. A medida, porém, provocou uma espiral inflacionária: em dois anos, a moeda local saltou de 24 para 120 pesos por dólar no câmbio oficial —no paralelo, o mesmo valor é negociado a 185 pesos.

Díaz-Canel também promoveu o empreendedorismo e autorizou a operação de pequenas e médias empresas, mas essas medidas foram insuficientes para melhorar a economia. "Sinto-me insatisfeito por não ter conseguido promover um conjunto de ações mais eficientes na solução dos problemas", admitiu o líder cubano em uma entrevista recente à emissora libanesa Al Mayadeen.

"A cicatriz dos protestos de 11 de julho ainda está muito presente na sociedade cubana", afirma à Folha Arturo López, professor da Universidade Autônoma de Madri e autor do livro "Raúl Castro and the New Cuba". Por um lado, diz, as razões pelas quais as pessoas saíram às ruas pouco mudaram; por outro, não se pode subestimar a capacidade desse regime de manejar crises. "O governo reprimiu com cálculo."

Ainda não está claro, porém, como o atual líder vai manter o poder a longo prazo sem gozar da estima de seus antecessores. "O carisma associado ao momento revolucionário foi embora com a transição geracional. Comparado a Fidel, Díaz-Canel tem o carisma de uma garrafa de água sem gás", afirma López. "O líder atual não atrai a paixão de seus partidários nem produz o medo em seus adversários como Fidel."

A abertura dos últimos anos respingou no jornalismo da ilha, que ganhou veículos independentes, segundo Mario Luis Reyes, repórter no site Estornudo. Mas, desde 2019, o regime vem conseguindo intimidar jornalistas e enfraquecer meios de comunicação que não estão sob a batuta do partido.

Atualmente, quase toda a equipe do site trabalha do exílio, incluindo Reyes, desde 2019. Ele conta que começou a notar a perseguição de autoridades após cobrir uma manifestação da comunidade LGBTQIA+ de Cuba pelo casamento igualitário. "Colocavam policiais vestidos de civis na porta da minha casa e da casa do meu pai, me seguiam, faziam fotos", conta o jornalista. "Nesse momento, eu saio de Cuba."

Paradoxalmente, a flexibilização da sociedade cubana promovida por Raúl Castro também está na raiz dos protestos, segundo López. Agora, o Partido Comunista precisa lidar com problemas que desconhecia, frutos de uma sociedade com mais empreendedores, acesso à internet e facilidade para viajar.

"Há uma pluralidade política na sociedade cada vez mais notável", afirma o pesquisador. "O desafio mais urgente de Díaz-Canel é a economia, mas o mais difícil é a política."

Com AFP

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.