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'Meio-dia contra Putin' desafia polícia na eleição da Rússia

Protesto tímido engrossou filas para votar, sem incidentes graves; 'é o único jeito', diz jovem

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Moscou

O protesto convocado pelos aliados de Alexei Navalni contra a reeleição certa de Vladimir Putin como presidente neste domingo (17) conseguiu atrair várias pessoas em diversos pontos do país, mas sua própria forma de execução mostra que o copo pode estar tanto meio cheio, quanto meio vazio para a minguante oposição na Rússia.

O ativista morto na cadeia no mês passado havia proposto que eleitores fossem votar às 12h (6h em Brasília) para criar um "Meio-dia contra Putin", lotando postos de votação. Era uma solução engenhosa para evitar prisões, já que na Rússia não se pode fazer protestos sem autorização da prefeitura, e certamente algo vindo do time de Navalni nunca a teria.

A aluna de moda Marina mostra a camisa com a frase "Eu não gosto de você", usada por críticos de Putin, em frente a fila de votação no centro de Moscou
A aluna de moda Marina mostra a camisa com a frase 'Eu não gosto de você', usada por críticos de Putin, em frente a fila de votação no centro de Moscou - Igor Gielow/Folhapress

Também é esperto do ponto de vista midiático, dado que não é possível saber se todos na fila estavam lá para votar normalmente ou para queixar-se da recondução do presidente, que está no Kremlin desde 1999. "É o único jeito que temos de expressar nossa opinião", disse Marina, 24, estudante de moda e operária numa confecção de lingerie em Moscou.

Ela estava em frente à escola secundária 1.323, onde uma longa fila com cerca de cem pessoas se formava no pátio e vazava para a elegante rua Bolchaia Ordinka, que no seu horizonte ao norte tem a praça Vermelha. Não quis dizer o sobrenome, mas permitiu-se fotografar abrindo o casaco contra o frio de 2°C.

"'É isso que quero dizer", afirmou, apontando para sua camiseta com a inscrição "eu não gosto de você" em cirílico, mas não russo: é uma transliteração da frase em inglês, uma forma de protesto silencioso contra Putin.

A jovem disse que esperava mais gente na fila. O motivo estava evidente: a polícia russa colocou, ao menos nas quatro escolas visitadas pela Folha entre 11h30 e 13h e em várias outras que emergiram em imagens de redes sociais, um forte esquema para coibir protestos.

Vans policiais estavam paradas em frente aos postos de votação —ajudando inclusive a encobrir parte da fila de eventuais fotógrafos.

Russo em Istambul fazem fila por volta das 12h para votar em representação do seu país na Turquia
Russos em Istambul fazem fila por volta das 12h para votar em representação do seu país na Turquia - Bulent Kilic/AFP

Pela lei russa, evocada pela Promotoria de Moscou para assustar os manifestantes, quem impedir o processo eleitoral pode pegar cinco anos de cadeia. "Estamos em silêncio, não podem fazer nada", disse Marina, que votou no ilustre desconhecido liberal Vladislav Davankov.

A cerca de 2 km dali, na escola 1.259, a fila por volta das 12h estava em formação quando uma van da polícia chegou. Jovens que estavam filmando a movimentação guardaram seus celulares e sumiram pelas ruas laterais.

Pela visão mais favorável aos críticos de Putin, de fato houve um aumento não passível de verificação científica nas filas, o que vai servir para as redes sociais vociferarem sua verdade. Na visão menos confortável e talvez mais realista, foi algo tímido —e o Kremlin já podia comemorar àquela altura o comparecimento às urnas, que já superava os 67,7% do pleito de 2018.

O mesmo Navalni, quando vivo, mobilizava milhares de pessoas por meio da internet, ainda que nunca tenha tido estatura eleitoral para de fato desafiar Putin dentro do sistema político. Ele começou com uma bem-sucedida candidatura a prefeito de Moscou, na qual ficou em segundo lugar em 2012.

Mas o contexto agora é de maior repressão ao dissenso no país, muito por conta das leis adotadas contra a liberdade de expressão após a invasão da Ucrânia, em 2022.

O ato foi bem-sucedido, em evitar incidentes mais graves para os manifestantes. Houve registro, segundo a ONG de monitoramento de direitos humanos OVD-Info, de 20 prisões quando jovens se recusaram a deixar a fila em Kazan (800 km a leste de Moscou). Desde sexta (15), quando o pleito começou, houve ao todo 74 detenções ligadas à votação —como pessoas que jogaram tinta em urnas ou mesmo um coquetel molotov.

Esses incidentes provocaram uma insólita avaliação da presidente da Comissão Central Eleitoral, Ella Pamfilova, acerca das filas. Para ela, "os casos causaram uma tempestade de indignação entre as pessoas, que me escreveram dizendo que 'vamos colocar tudo de lado e votar'", apesar de as filas terem se formado na hora prevista do ato.

Imagens em redes sociais mostraram filas mais ou menos volumosas em outras cidades, particularmente em São Petersburgo (700 km a noroeste da capital). No túmulo de Navalni, papéis simulando voto em seu nome foram colocados ao longo do dia.

Fora da Rússia, muita gente apareceu para votar ao meio-dia em países como Armênia, Letônia e Cazaquistão, além de nações europeias. Filas imensas se formaram junto a representações russas em lugares como os Estados Bálticos e a Alemanha, boa parte com protestos explícitos que por óbvio não se viam no país de Putin.

Em Moldova, uma pessoa jogou um coquetel molotov contra um consulado russo. Já em Berlim, a viúva de Navalni, Iulia, participou do protesto e disse que escreveu o nome do marido morto na cédula de votação.

Um dos jovens que deixaram a frente da escola 1.259 não quis conversa, mas disse em inglês atravessado que "odeia Putin" e foi-se embora batendo o pé. Ele poderia inspirar-se no dito latino Per Aspera Ad Astra ("pelo sofrimento, às estrelas"), inscrito no pórtico do colégio, embora no momento para a oposição russa só haja a parte das dificuldades, sem o sucesso no fim do túnel à vista.

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