Descrição de chapéu Financial Times Eleições no México

Favorita à Presidência do México defende reformas polêmicas propostas por López Obrador

Claudia Sheinbaum é a favor de mudança na Constituição para eleição direta de juízes da Suprema Corte, o que é visto como ameaça institucional

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Michael Stott Christine Murray
Cidade do México | Financial Times

Líder nas pesquisas para as eleições presidenciais do México, marcadas para 2 de junho, Claudia Sheinbaum, 61, quer que os juízes da Suprema Corte e do Tribunal Supremo Eleitoral sejam escolhidos pelo povo.

Para a candidata governista, a proposta —que exigiria mudanças na Constituição—, teria um impacto positivo na economia do país. Investidores "não têm com o quê se preocupar", diz à reportagem enquanto é conduzida de um comício para o próximo na capital. Apoiadores pressionam as janelas do modesto sedã Chevrolet e oferecem a ela flores.

Claudia Sheinbaum, candidata à Presidência do México pelo partido governista, o Morena, em comício na Cidade do México - Raquel Cunha - 5.mai.24/Reuters

As tentativas do atual presidente do país, Andrés Manuel López Obrador, de promover uma reforma semelhante geraram apreensão acerca do Estado de Direito no México. A oposição acredita que a proposta destruiria a independência do Judiciário, e investidores comentam internamente que ela apresenta riscos à democracia. Atualmente, só uma nação elege diretamente os juízes da Suprema Corte, a socialista Bolívia.

A coalizão de AMLO, como o presidente também é conhecido, não conseguiu o número de cadeiras necessário para aprovar o projeto no Legislativo durante o seu mandato. Seu partido, o Morena, espera submetê-lo a votação novamente após as eleições de junho, quando o Congresso também será renovado.

Sheinbaum promete seguir em frente com os planos de López Obrador de aumentar a justiça social, melhorar os serviços públicos e enterrar um modelo econômico que ela caracteriza como neoliberal e que, nas suas palavras, trouxe "pobreza e desigualdade atrozes".

A candidata argumenta ainda que a reforma é necessária porque a Suprema Corte "age politicamente". E defende que deixar a população escolher juízes de alto escalão seria benéfico para o país: "O que queremos é mais democracia", diz.

Questionada se acredita em pesos e contrapesos entre os três Poderes, uma grande preocupação de grupos de defesa dos direitos civis e de investidores, ela afirma: "Acredito na liberdade. Acredito na democracia. E que o povo deve decidir".

O México elegerá sua primeira mulher na Presidência. A maioria das pesquisas dá a Sheinbaum, que começou sua carreira na política estudantil e depois foi chefe de governo da Cidade do México, uma vantagem de mais de dez pontos percentuais sobre a principal candidata da oposição, a empresária Xóchitl Gálvez.

Comunicador habilidoso com uma conexão instintiva com o povo, López Obrador expandiu os programas de bem-estar social do país e mais que dobrou o salário mínimo. Essas medidas reduziram a pobreza e a desigualdade e lhe garantiram um apoio duradouro entre os mais pobres no México.

Ao mesmo tempo, ele entregará a sua sucessora, Sheinbaum ou Xóchitl, o maior déficit fiscal nacional desde os anos 1980, uma vez que abandonou a austeridade no seu sexto e último ano como presidente.

Sheinbaum diz não se preocupar com o déficit, hoje em 5,9% do PIB (Produto Interno Bruto), e o descreve como um problema temporário. "Este é um déficit de um ano porque todos os projetos de infraestrutura estratégicos do presidente estão sendo pagos. No ano que vem, esses gastos serão reduzidos significativamente."

Ela afirma ainda acreditar que haja espaço para aumentar as receitas federais por meio de maior fiscalização e desenvolvimento tecnológico. Questionada se suas promessas de melhorias na educação, saúde e infraestrutura exigiriam aumentar os impostos, responde que sim. Mas emenda rapidamente que não pensará nisso em um primeiro momento. "Não queremos propor uma reforma fiscal profunda até termos examinado a fundo as coisas quando assumirmos o cargo."

A economia mexicana se transformou profundamente ao longo dos últimos 30 anos em razão de seu acordo de livre comércio com Estados Unidos e Canadá. Sheinbaum não pretende mexer neste quadro, especialmente em um momento em que empresas dos EUA avaliam transferir a produção da China para países como o México. "Precisamos aproveitar a oportunidade que o acordo comercial nos dá."

No entanto, ela quer que o governo assuma um papel mais ativo no planejamento do desenvolvimento econômico para garantir que o investimento alcance regiões mais pobres e que o México agregue valor a produtos manufaturados em vez de simplesmente montá-los.

"Você não pode pôr empresa em qualquer lugar, porque diferentes territórios têm diferentes vocações, especialmente quando se trata de recursos naturais como a água", afirma. "Não achamos que o investimento deve apenas criar empregos. Acreditamos em empregos bem remunerados e que gerem bem-estar."

Pequim fez grandes avanços na América Latina neste século, tirando de Washington o posto de maior parceiro comercial da maioria dos países da América do Sul. Sheinbaum, porém, é clara sobre suas prioridades. "Não temos um acordo de livre comércio com a China e não acho que devemos ter um", diz.

Com as eleições nos EUA ainda este ano, os candidatos à Presidência do México se preparam para um possível retorno do ex-presidente Donald Trump, que criticou os mexicanos em questões como comércio, migração e fentanil. Sheinbaum insiste que a relação com o vizinho ao norte será boa mesmo que Trump vença.

Sheinbaum falou com o Financial Times depois de um comício em Coyoacán, uma área de classe média no sul da capital, onde discursou sob o sol escaldante do meio-dia. Relembrando a derrota do México para os invasores franceses em 1862, ela pintou seu partido, o Morena, como herdeiro dos patriotas que defenderam seu país. E classificou a oposição de herdeiros corruptos dos traidores que convidaram um imperador estrangeiro para governá-los.

"O que Coyoacán quer? Transformação ou corrupção? Patriotismo ou subserviência?" perguntou à multidão, que gritava "Presidenta! Presidenta!"

O partido de López Obrador virou a política mexicana de cabeça para baixo desde sua vitória esmagadora na eleição presidencial de 2018. Hoje, o Morena controla dois terços dos governos estaduais e, ao lado de aliados, detém maiorias em ambas as Casas do Congresso. Essa hegemonia preocupa seus oponentes, que lembram que o México foi governado por um único partido —o PRI, Partido Revolucionário Institucional— por 71 anos, até 2000.

Juanita Goebertus, diretora para as Américas da ONG Human Rights Watch, afirma que a proposta de reforma judicial do partido ameaça a independência do Judiciário. "Isso facilitaria a nomeação de juízes por qualquer que seja o partido que esteja no poder."

O México exporta grandes quantidades de cocaína e de fentanil para os EUA e se transformou em um campo de batalha de cartéis locais rivais. Pesquisas mostram que a segurança é uma grande preocupação dos eleitores, mas Sheinbaum diz acreditar que pode reduzir a violência empregando os mesmos métodos a que recorreu quando governava a Cidade do México.

"Precisamos fortalecer [a política de] impunidade zero no país. Não importa quem cometa o assassinato, a pessoa tem que ser punida pela lei." Ela é contrária à proposta da oposição de confrontar diretamente os cartéis, dizendo que no passado medidas similares deram às forças de segurança "licença para matar" civis inocentes. "Nossa visão é de construção da paz", afirma.

AMLO substituiu a polícia federal mexicana por uma nova Guarda Nacional, composta por 130 mil agentes e gerida pelo Exército, e convocou as Forças Armadas para realizar tarefas que costumavam ser desempenhadas por civis, como construir linhas ferroviárias e administrar aeroportos, portos e o serviço aduaneiro.

Sheinbaum diz que está confortável com a estratégia porque, em última instância, os militares respondem ao presidente. "Talvez quem vê de fora não entenda isso, mas não se trata de uma militarização", afirma. "O Exército mexicano vem da Revolução Mexicana, uma revolução social, não vem das elites."

Especialista em mudanças climáticas com doutorado em engenharia ambiental, Sheinbaum quer acelerar a transição do México para a energia limpa usando investimentos privados minoritários e o Estado no comando. "Antes da minha vida pública, dediquei toda a minha carreira às mudanças climáticas. Então, obviamente, quando assumirmos o cargo, vamos impulsionar isso."

Conhecida por sua disciplina, Sheinbaum quer deixar claro que, embora tenha sido uma discípula leal de López Obrador, é dona de um estilo próprio. Além disso, apesar de o México ter "sido historicamente marcado por um grande machismo", a candidata diz acreditar que sua provável vitória seja prova de que isso está mudando. "Do contrário, uma presidente mulher seria algo impensável."

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