Ucrânia pressiona Brasil para ingressar em bandeira do G20 contra fome

Itamaraty diz que processo de adesão ainda não está aberto e que Kiev será bem-vinda caso queira participar no 2º semestre

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Teresina

A Ucrânia tem pressionado para participar da principal bandeira do governo Lula (PT) no G20 e chegou a afirmar que o Brasil rejeitou convidar o país para fazer parte da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. O Itamaraty nega o veto e diz que o processo de adesão ao projeto ainda não está aberto.

Em março, o embaixador ucraniano no Brasil, Andrii Melnik, reclamou da postura do governo Lula em uma mensagem na rede social X.

"Embora a Ucrânia continue a ser vítima da agressão russa, estamos prontos para ajudar o Sul Global a combater a fome a a pobreza. É decepcionante que o Brasil, assim como a presidência do G20, tenha rejeitado convidar a Ucrânia para se juntar a uma Aliança Global contra a Fome", escreveu o diplomata.

O presidente Lula recebe as cartas credenciais do embaixador da Ucrânia no Brasil, Andrii Melnik, em novembro de 2023. - Evaristo Sá - 17.nov.23/AFP

Semanas depois, em entrevista ao portal Metrópoles, ele voltou ao tema. Disse que a Ucrânia está pronta, "mesmo agora em tempos de guerra", a fazer uma contribuição para a aliança por meio de iniciativas de ajuda humanitária.

Procurado pela Folha, o Itamaraty negou que tenha ocorrido um bloqueio à participação de Kiev no projeto "pelo simples fato de que o processo de adesões ainda não está aberto". Disse ainda que a Ucrânia, "como todos os demais membros das Nações Unidas, será bem-vinda" quando o processo for aberto, no segundo semestre.

O ministro Wellington Dias (Desenvolvimento e Assistência Social) teve um encontro com Melnik em janeiro. Relatando o encontro, disse em uma das reuniões preparatórias do projeto que considera louvável que a Ucrânia, em meio a "uma situação de crescimento de pobreza e de pessoas em insegurança alimentar", também se disponha a apoiar a iniciativa brasileira contra a fome. Dias afirmou ainda que não haverá veto a qualquer nação que queira ingressar.

O programa de assistência humanitária citado por Melnik é o "Grain from Ukraine", lançado pelo presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, e prevê o envio de grãos para nações pobres. A iniciativa faz parte de uma ofensiva diplomática da Ucrânia contra a Rússia, uma vez que o país responsabiliza diretamente a invasão de Moscou por desestabilizar cadeias de produção e, consequentemente, aumentar a fome no mundo.

"Ao lutarem e causarem disrupção nas cadeias de produção, os russos levaram ao menos 70 milhões de pessoas ao redor do mundo à beira da fome. Um total de 345 milhões de pessoas sofrem com a catastrófica escassez de comida", diz o site oficial da iniciativa.

O Brasil afirma adotar uma posição de neutralidade no conflito. Apesar disso, opiniões de Lula, principalmente no início do governo, foram vistas por Estados Unidos e aliados como excessivamente pró-Moscou, o que desencadeou críticas do Ocidente contra Brasília.

A Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, por sua vez, é a principal bandeira de Lula para o ciclo da presidência brasileira no G20. O país busca um comprometimento político dos membros do G20 para lançar a proposta na cúpula de líderes no Rio de Janeiro, em novembro.

A ideia é que a aliança seja tocada por um pequeno secretariado que ajude a articular globalmente diferentes projetos de combate à fome e de assistência social. Além disso, o governo planeja criar uma espécie de balcão com boas práticas de combate à pobreza a que países em desenvolvimento poderão consultar e pedir apoio técnico caso queiram implementar políticas semelhantes em seus territórios.

Auxiliares de Lula também defendem que a aliança seja usada para articular fontes de financiamento de ações contra a pobreza que hoje existem espalhadas pelo mundo.

Do ponto de vista político, a ideia foi pensada para aproveitar a imagem internacional de Lula como líder comprometido com a redução das desigualdades. O Bolsa Família, marca dos governos petistas, servirá de vitrine das políticas sociais que o país espera difundir globalmente.

A possível presença da Ucrânia nas reuniões preparatórias da proposta teria um componente político problemático para Brasília. Nas negociações, o governo Lula tem atuado para manter temas relacionados à guerra fora dos debates, o que ficaria bem mais difícil caso haja representantes ucranianos na sala.

Questionado sobre as queixas da Ucrânia, o Itamaraty disse ainda que, até julho, quando ocorrerá uma reunião ministerial no Rio sobre a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, os encontros preparatórios "são restritos aos membros do G20 e aos oito países e doze organismos internacionais convidados para todos os eventos da presidência de turno, além de Suíça, Bangladesh e Cepal [Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe]".

"A adesão à Aliança Global estará aberta não somente aos membros do G20, mas a todos os países interessados. A Ucrânia, como todos os demais membros das Nações Unidas, será bem-vinda a aderir à iniciativa", acrescentou o ministério.

Outro país que já manifestou interesse em ser parte da aliança é o Chile. Na viagem que Lula faria a Santiago em maio, adiada devido às enchentes no Rio Grande do Sul, o presidente Gabriel Boric faria uma declaração de apoio político à iniciativa. A entrada formal na iniciativa está planejada para ocorrer quando for aberto o processo de adesão.

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