Historiadores e familiares buscam reconhecimento de feitos de pracinhas da FEB, enviados à guerra há 80 anos

Expedicionários que lutaram contra nazifascismo foram recebidos com festa na volta, mas readaptação difícil à rotina e até associação com o golpe de 1964 desgastaram imagem

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São Paulo

Foi sem alarde e praticamente em segredo que em 2 de julho de 1944 o governo brasileiro enviou os primeiros soldados e oficiais rumo à Itália para lutar contra o nazifascismo durante a Segunda Guerra Mundial. O início da missão completa 80 anos nesta terça-feira (2), mas historiadores e familiares ainda buscam reconhecimento da sociedade sobre os feitos dos chamados pracinhas da FEB (Força Expedicionária Brasileira).

O Brasil foi o único país da América do Sul a mandar soldados para o campo de batalha —o México enviou alguns por via aérea. Dos cerca de 25 mil pracinhas que foram para a Itália, em torno de 90% eram civis da reserva. Ou seja, foram convocados por telegrama. Largaram seus empregos, suas vidas comuns e partiram sem a certeza de voltar. E muitos realmente não voltaram: 451 morreram em confrontos.

Soldados da FEB (Força Expedicionária Brasileira) na Itália durante a 2ª Guerra Mundial, em 7 de setembro de 1944 - Arquivo Nacional

A decisão de criar a FEB e enviar os pracinhas foi tomada após o Brasil declarar guerra à Alemanha, em agosto de 1942. O professor Francisco Ferraz, do Departamento de História da UEL (Universidade Estadual de Londrina), afirma que houve uma espécie de clamor para que o governo brasileiro agisse, principalmente depois dos ataques alemães a navios na costa do Nordeste.

Mas foi somente em janeiro de 1943, em um encontro entre o então presidente Getúlio Vargas e seu homólogo americano Franklin Roosevelt, que o Brasil selou sua efetiva participação. Segundo Ferraz, o governo brasileiro sabia que "uma coisa era romper relações e outra era enviar tropas" ao conflito.

O historiador César Maximiano, autor de "Barbados, Sujos e Fatigados" (Grua Livros, 2010), diz que os pracinhas deixaram o Brasil sem saber ao certo o que iriam encontrar. Na Itália, enfrentaram o frio, pois começaram a combater apenas em setembro de 1944 e adentraram o inverno no hemisfério Norte. O terreno era montanhoso e acidentado, e o principal inimigo era o Exército alemão.

Mesmo com as adversidades, as tropas da FEB tiveram vitórias importantes, como a tomada do Monte Castello, em fevereiro de 1945. Na batalha de Fornovo, em abril do mesmo ano, quase 20 mil soldados alemães se renderam aos soldados brasileiros em uma "manobra ágil e rápida", segundo Maximiano.

"Isso [batalhas da FEB na guerra] é extremamente digno de ser relembrado, porque a tropa brasileira percebe a natureza do regime que está combatendo e tinha consciência de lutar uma guerra justa", afirma Maximiano. Ferraz também ressalta o combate ao nazismo como um dos motivos para haver mais reconhecimento dos pracinhas no Brasil.

Filho de um dos expedicionários, o baterista João Barone, dos Paralamas do Sucesso, afirma que esse legado dos soldados brasileiros deve ser celebrado para "poder aprender com as lições do passado" e não deixar que "essas coisas horrorosas se repitam".

Para manter viva a história do funcionário público João de Lavor Reis e Silva (1918-2000), Barone escreveu "Soldado Silva" (Panda Books, 2022), que conta a história de seu pai na campanha italiana. O baterista sugeriu à Prefeitura do Rio de Janeiro uma homenagem no Porto Maravilha, na região central da cidade, onde será instalada uma placa alusiva ao envio das pracinhas. Confeccionada em bronze, a homenagem foi feita pelo artista plástico Mário Pitanguy e será exposta ao público nesta terça-feira, para marcar os 80 anos.

Apesar dos feitos contra o nazifascismo, o professor Ferraz cita algumas circunstâncias que, em sua visão, levaram os pracinhas a não ter uma distinção maior por parte da maioria dos brasileiros. Quando voltaram da Europa, houve grande festa no porto do Rio, com milhares às ruas para recebê-los. Mas na volta à vida comum, diz Ferraz, os civis não tiveram a mesma assistência médica dada aos militares. Já o apoio financeiro só veio anos depois, quando muitos já estavam aposentados e não podiam acumular benefícios.

Além disso, após testemunharem os horrores da guerra, muitos não conseguiram se adaptar à rotina familiar e profissional, com casos de violência, alcoolismo e até suicídio. Para evitar desentendimentos, a maioria preferiu guardar para si as lembranças dos combates. "Com isso, as conquistas foram esquecidas simbólica e concretamente", declara Ferraz, autor de "A Guerra Que Não Acabou" (Editora Eduel, 2012).

Ele também afirma que outro "esforço de desvalorização" da FEB ocorreu após o golpe militar de 1964. Segundo o professor, havia uma "má vontade", principalmente entre os setores acadêmicos, de não enaltecer parte dos militares da FEB porque alguns deles participaram do movimento que levou à ditadura.

Como um dos que buscam resgatar a imagem dos expedicionários, Barone se lembra de uma conversa que teve com o aviador franco-brasileiro Pierre Clostermann (1921-2006), que lutou na Segunda Guerra. "Ele [Pierre] disse que o Brasil entendeu que a guerra não era uma guerra de mocinhos e bandidos. Era uma guerra para defender a escolha da maneira de viver entre os homens, e o Brasil entendeu isso como uma grande nação", diz.

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