Descrição de chapéu Eleições na Venezuela

Ditadura persegue e censura imprensa local e internacional em eleições da Venezuela

Regime ordena a emissoras que não noticiem protestos contra Maduro; jornalistas estrangeiros são expulsos do país

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São Paulo

Dois dias depois das eleições que deram uma contestada vitória ao ditador Nicolás Maduro, da Venezuela, o jornalista Magno Barros, 57, recebeu uma mensagem do administrador da rádio na qual ele apresenta seu programa diário, o Waka Noticias.

"A instrução era que se reconhecesse a institucionalidade do presidente como eleito", afirma Barros à reportagem, por telefone. "Houve uma decisão de transmitir somente informações institucionais, mais nada."

Banca de jornais em Caracas anunciam a reeleição do ditador da Venezuela, Nicolás Maduro - Raúl Arboleda - 29.jul.2024/AFP

Na véspera, uma mensagem da Conatel (Comissão Nacional de Telecomunicações) enviada a emissoras de várias regiões do país ameaçava com multas e cancelamento de concessão veículos que transmitissem notícias com conteúdos violentos. Era um recado para impedir a cobertura dos protestos contra Maduro, que já deixaram pelo menos 11 mortos.

Após conversar com sua equipe, Barros resolveu romper a parceria de dois anos com a rádio e, pelas redes sociais, avisou sua audiência que o programa não seria mais transmitido devido à nova linha editorial do veículo. Segundo ele, o Waka Noticias, que ia ao ar toda manhã por duas horas, era o único programa de jornalismo da rádio do estado de Amazonas, no sul da Venezuela.

O caso é uma amostra do apagão informacional que tem ocorrido no país diante do aumento da repressão do Estado.

No domingo da votação, o Ipys (Instituto de Imprensa e Sociedade) registrou ao menos 41 violações à liberdade de imprensa na Venezuela, incluindo uma detenção, uma deportação e 12 agressões físicas e verbais. Já o SNTP (Sindicato Nacional de Trabalhadores da Imprensa) contabilizou, do domingo até a última terça-feira (30), a prisão de seis jornalistas e 39 ataques a profissionais de imprensa vindos de corpos policiais e grupos armados ligados ao regime.

Na imprensa venezuelana, foram relatados vários casos de deportação. Um deles foi o do jornalista espanhol Cake Minuesa, do Ok Diario. De acordo com o portal espanhol de direita, o profissional foi detido durante a madrugada da última segunda, quando voltava para seu hotel em Caracas, e enviado à Colômbia.

O argentino Jorge Pizarro, por sua vez, foi impedido de entrar na Venezuela na semana passada para tentar cobrir as eleições. Na Radio Rivadavia, onde trabalha, afirmou que não tinha licença para atuar profissionalmente no país, mas que, em contato com a embaixada venezuelana em Buenos Aires, havia sido instruído a desembarcar normalmente.

Outro caso foi o do repórter Marco Bariletti e do cinegrafista Ivo Bonito, ambos da emissora italiana Rai News. De acordo com o SNTP, eles foram expulsos e enviados à Itália na quinta-feira (1º). Na noite do mesmo dia houve ainda a deportação de dois jornalistas da agência de notícias Reuters. A reportagem procurou a maioria dos profissionais envolvidos, mas não obteve retorno.

Na segunda-feira (29), o Ministério do Poder Popular para Comunicação e Informação enviou uma mensagem aos jornalistas estrangeiros que estavam em Caracas para a cobertura das eleições. A pasta pediu para ser avisada quando cada correspondente voltaria para sua base e ressaltou que não haveria extensão de prazo dos vistos de imprensa, apesar de já haver restrições de voo para países que não haviam reconhecido a vitória de Maduro. A Folha deixou a Venezuela nesta sexta (2).

Mesmo antes da votação, a ditadura já havia tomado medidas de restrição à informação. Bloqueou o acesso a cinco sites de notícias independentes, de acordo com a organização VE Sin Filtro, que documenta episódios de censura e também foi censurada na mesma leva.

Nesta quinta, mais um site foi adicionado à lista: o do jornal americano The Wall Street Journal. A página ficou fora do ar para internautas venezuelanos horas após o veículo publicar um artigo da líder opositora María Corina Machado, no qual ela dizia temer ser capturada pelo regime. De acordo com a VE Sin Filtro, 17 portais sofreram restrições desde o início da campanha eleitoral, o que fez o número de meios de comunicação bloqueados pelas principais operadoras do país passar de 60.

No início de julho, o chefe de direitos humanos da ONU, Volker Türk, disse estar preocupado com o aumento de bloqueios de sites no país. "Incentivo as autoridades a suspender as restrições ao espaço cívico", afirmou.

Há muito a imprensa na Venezuela sofre com a perseguição do regime. A mais emblemática ofensiva talvez tenha sido em 2007, sob Hugo Chávez (1954-2013), com o fechamento da RCTV, emissora fundada em 1953 que por anos foi a líder de audiência na Venezuela. A empresa, que mantinha uma linha editorial crítica ao chavismo, encerrou sua transmissão após anos de restrições e sufocamento financeiro vindos do aparato estatal.

Desde 2013, quando Maduro chegou ao poder, a Venezuela caiu 39 posições no ranking de liberdade de imprensa organizado pela Repórteres Sem Fronteiras, que avalia 180 países. Atualmente, a nação ocupa a 156ª posição, atrás de países como Sudão e Iêmen. Nas Américas, só fica à frente de Nicarágua e Cuba, não por acaso também ditaduras.

Barros, da Waka Notícias, diz que a situação o faz pensar em sair da Venezuela, seguindo o caminho de quase 8 milhões de conterrâneos só na última década, de acordo com a ONU. "Sentimos muito medo e impotência, porque queremos seguir trabalhando aqui", diz ele. Preso já mais de uma vez pelo regime, ele afirma que sua equipe deve diminuir a intensidade de trabalho. "Temos informações que guardamos por medo de que nos ataquem."

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