Um senhorzinho branco de bochechas rosadas, um ex-professor de escola pública que cresceu em uma cidade com 400 habitantes gente fina, e ainda por cima um patriota que serviu na Guarda Nacional.
O governador de Minnesota, Tim Walz, ganhou a vaga de vice na chapa da candidata democrata Kamala Harris por ser a vacina perfeita contra a qualidade de "otherness" —isto é, de diferença em relação ao que se considera um americano médio— que ela representa.
A palavra resume a estratégia de Donald Trump de retratar Kamala como não americana, ultraprogressista, aquela que não se identificava "como negra, mas sim indiana", que não entende as necessidades da grande maioria silenciosa dos Estados Unidos.
Trump apostou nisso em outras ocasiões. Ao espalhar a teoria da conspiração falsa de que Barack Obama não tinha nascido nos EUA e, portanto, não poderia ser presidente, por exemplo. Depois, ao insistir que sua rival em 2016, Hillary Clinton, fazia parte de uma elite de ultraesquerda que abrigava pedófilos (falso também).
Com uma única palavra —"weird" (esquisito)– Walz conseguiu consertar a mensagem política dos democratas. O partido, desde a falecida campanha de Joe Biden, batia na tecla de que Trump era uma "ameaça existencial" à democracia americana que iria ignorar os freios e contrapesos e demolir a Constituição. Mas para o eleitor médio, ou seja, a grande maioria de americanos que não são viciados em noticiário político, muitas vezes essa mensagem soava etérea, pouco concreta.
Foi então que Walz, por acaso, surgiu com uma mensagem facilmente compreensível. "Esses caras são esquisitos", afirmou ele sobre Trump e seu vice, o senador de Ohio J.D. Vance, em entrevista no programa Morning Joe.
"Esses caras do outro lado são pessoas esquisitas. Eles querem tirar nossos livros. Querem entrar na sala em que você faz exames médicos", disse em outra entrevista, referindo-se a iniciativa dos republicanos de banir livros e de dificultar o acesso ao aborto.
"As pessoas estão dizendo: 'Eu só gostaria de ter uma creche mais barata e que eles parassem de falar sobre essas outras coisas' e 'eu realmente não estou nem aí para quem as pessoas escolhem casar'", disse Walz, que foi um major na Guarda Nacional e, vejam só, era um democrata a favor do acesso a armas —embora tenha aprovado legislação restritiva posteriormente.
Os democratas abraçaram a "plataforma contra esquisitos". Não se trata de estereotipar os eleitores de Trump, como Hillary fez de forma desastrosa, em 2016, ao chamá-los de "cesta de deploráveis".
Walz está dizendo que Trump e J.D. Vance não são "gente como a gente", o pessoal simplão que quer apenas cuidar de sua própria vida. "Em relação a cidades pequenas, J.D. Vance não entende nada. O melhor jeito de sobreviver é cuidar da sua própria vida, e não se meter na vida dos outros."
Kamala precisa conquistar o eleitorado branco de baixa escolaridade de estados como Michigan, Wisconsin e Pensilvânia, a chamada muralha azul. Foi graças a esse eleitorado, que se ressente do multiculturalismo e da imigração, que Trump venceu em 2016. Kamala sabe que sua candidatura empolga os eleitorados jovem, hispânico e negro —mas sabe, também, que precisa desse eleitorado branco.
Sim, a escolha de Josh Shapiro, governador da Pensilvânia, um estado crucial para Kamala conseguir os 270 votos necessários para vitória no colégio eleitoral, era a preferida dos manda-chuvas do Partido Democrata. Ele tem alta taxa de aprovação na Pensilvânia, é uma estrela em ascensão e já conhecia Kamala.
Walz, por sua vez, é governador de Minnesota, estado que já vota nos democratas, não um estado-pêndulo.
Mas o apoio incondicional de Shapiro a Israel no conflito em Gaza desagradava a ala mais à esquerda do partido. E Kamala parece ter hesitado em formar uma chapa duplamente pioneira —a primeira presidente negra e mulher e o primeiro vice-presidente judeu. Ela pode ter calculado que, em uma campanha em que Trump não hesita em mobilizar apoiadores com racismo e preconceitos, seria o caminho mais arriscado.
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