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Lula diz a Boric que ser diferente é extraordinário após divergências sobre Venezuela

Em Santiago, brasileiro fala em paz entre regime e oposição; antes, havia dito não ver 'nada de anormal' em pleito contestado

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Brasília

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse nesta segunda-feira (5), ao lado de seu homólogo do Chile, Gabriel Boric, que ser diferente é extraordinário.

A fala ocorreu após divergências entre os dois presidentes sobre a crise na Venezuela. A declaração foi feita à imprensa em Santiago no Palácio de La Moneda, após reunião entre os chefes de Estado e representantes dos dois governos.

O presidente do Chile, Gabriel Boric, recebe o presidente Lula (PT) no Palácio de La Moneda, em Santiago. - Ivan Alvarado - 5.ago.2024/Reuters

Lula ainda falou a Boric sobre a iniciativa com Colômbia e México de buscar uma solução diplomática para o impasse no pleito venezuelano. Disse também que seu compromisso é com a paz. A fala, em tom institucional, foi no discurso oficial do mandatário.

O tom do brasileiro é distinto do adotado na semana passada, quando disse não ver 'nada de anormal' na eleição contestada e marcada pela falta de transparência.

"Cada país tem a sua cultura, cada país tem seus interesses, suas nuances políticas. A gente não pode querer que todo mundo fale a mesma coisa, pense a mesma coisa, nós não somos iguais. Nós somos diferentes e isso é extraordinário porque a diferença permite que a gente procure encontrar nossas similaridades, as coisas que nos ajudam", disse Lula, sem mencionar diretamente a crise na Venezuela.

A fala sobre países não serem iguais ocorreu ao final de seu pronunciamento, em um momento no qual o presidente brasileiro já não lia mais o discurso. Antes, Lula falou diretamente sobre a Venezuela.

"Expus as iniciativas que tenho empreendido com os presidentes Gustavo Petro e López Obrador em relação ao processo político na Venezuela. O respeito pela tolerância, o respeito pela soberania popular é o que nos move a defender a transparência dos resultados", disse.

"O compromisso com a paz é que nos leva a conclamar as partes aos diálogos e promover o entendimento entre governo e oposição", completou.

Trata-se da primeira menção do próprio presidente sobre a crise venezuelana após a declaração da semana passada, no qual ele minimizou a crise.

Os dois presidentes evitaram falar sobre o tema na declaração à imprensa. Boric disse saber que há muitas questões, mas que hoje ele só falaria de Brasil e Chile. Em seu discurso, não fez qualquer menção à Venezuela.

Horas depois, entretanto, o chileno foi ao X para condenar a decisão do Ministério Público venezuelano de abrir uma investigação contra os principais líderes opositores do país. "Agora, o regime de Maduro anuncia perseguição penal a [Edmundo] González e [María Corina] Machado enquanto reprimem seu próprio povo", escreveu Boric. "Pedimos respeito aos direitos humanos de manifestantes e de líderes da oposição."

Ao lado de Lula, Boric se limitou a destacar parcerias comerciais e em outros setores. O líder chileno falou que os dois presidentes se comprometeram em inaugurar, ainda em seus mandatos, o corredor bioceânico, que ligará Mato Grosso do Sul aos portos chilenos.

Lula chegou na noite de domingo (4) ao país, para uma visita de Estado. O encontro, que tem como objetivo ampliar parcerias comerciais e firmar acordos bilaterais, ocorre em meio ao aumento de tensão na Venezuela e divergências entre Chile e Brasil a respeito do tema.

Antes de divulgar uma declaração conjunta a jornalistas, o presidente foi recebido com oferenda floral no Monumento al Libertador Bernardo O'Higgins. Ao ser anunciado, houve registros de vaias e de aplausos de pessoas que estavam próximas ao palácio —o local fica numa zona turística da capital chilena.

Depois, já no La Moneda, ele visitou o antigo gabinete do ex-presidente Salvador Allende, um local preservado e histórico. Em seguida, ocorreu a reunião bilateral entre os chefes de Estado e uma ampliada, com a delegação brasileira e integrantes do governo chileno. Quatorze ministros acompanham Lula na viagem.

Foram assinados mais de 20 instrumentos, dentre acordos bilaterais a memorandos de entendimento sobre turismo, comércio e investimentos, defesa, temas consulares, segurança e justiça, igualdade de gênero, ciência tecnologia e inovação, igualdade de gênero, governo digital, saúde, recursos hídricos e direitos humanos.

A ex-presidente chilena Michelle Bachelet falou com jornalistas ao chegar no palácio, onde participou da reunião ampliada e, depois, do almoço oferecido à delegação brasileira. Ela disse que Venezuela seria um tema de conversa entre os dois chefes de Estado. "Espero que possa haver uma solução no curto prazo", disse.

Bachelet afirmou ainda lamentar a expulsão do embaixador chileno de Caracas, e compactuar com o posicionamento de Boric a respeito do tema.

"Creio que o importante é que o governo siga na mesma logica de assegurar que, tomara, na Venezuela possamos ter os resultados verdadeiros", disse, indicando discordar do resultado da eleição anunciado pelo regime de Maduro.

O Itamaraty e o Planalto buscam não ofuscar a agenda positiva com a controvérsia do momento. Mas, como disse um auxiliar de Lula antes da visita, a Venezuela é um elefante na sala e seria tratado na reunião bilateral entre os presidentes.

Na eleição no último dia 28, o órgão eleitoral da Venezuela declarou Nicolás Maduro como vencedor, mas a oposição acusa o regime de fraude e se diz ganhadora do pleito. Chile e Brasil tiveram reações diferentes.

Boric, já no dia seguinte, disse que os resultados eram "difíceis de acreditar", aproximando-se de países mais à direita na região, como a Argentina, que de pronto puseram o processo eleitoral sob suspeição.

Já o governo brasileiro tem procurado uma solução diplomática com outros países governados pela esquerda na região, caso de Colômbia e México. A postura é de não reconhecer a reeleição de Maduro, mas tampouco declarar a vitória do opositor González, além de pedir uma verificação imparcial dos resultados da eleição, com a apresentação das atas de votação.

Quando rompeu o silêncio sobre a disputa envolvendo o aliado antigo, na terça-feira (30), Lula disse não ver "nada de anormal" em relação à situação venezuelana.

Na manhã desta segunda-feira (5), antes de seguir para o La Moneda, Lula recebeu um telefonema do presidente francês, Emmanuel Macron, elogiando a nota elaborada com Colômbia e México sobre a Venezuela, segundo o Palácio do Planalto.

"Macron elogiou a posição de Brasil, Colômbia e México emitida em nota conjunta na última quinta-feira, e a posição do país de estímulo ao diálogo entre o governo e a oposição venezuelana. O presidente Lula reiterou seu compromisso com a busca de uma solução pacífica entre as partes e que respeite a soberania do povo venezuelano", disse o Planalto.

Esta é a primeira vez que Lula volta ao Chile como presidente em 20 anos. Já Boric esteve duas vezes em Brasília, ambas no ano passado: para a posse presidencial em janeiro e, depois, em maio, para a reunião de presidentes da América do Sul.

A segunda ocasião também foi marcada pela divergência em torno da Guerra da Ucrânia. O chileno criticou autoridades latino-americanas que não concordaram com a inclusão de uma menção à Rússia no comunicado final. Lula reagiu e o chamou de "sequioso e apressado".

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