Lula chama Boric de jovem e apressado ao rebater críticas sobre posição na guerra

Presidente chileno condenou falta de menção à Rússia em documento final da cúpula Celac-UE

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Bruxelas

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chamou seu homólogo chileno, Gabriel Boric, de "sequioso e apressado" por criticar autoridades latino-americanas que não concordaram com a inclusão de uma menção à Rússia no comunicado final da cúpula Celac-UE, que terminou nesta terça-feira (18), em Bruxelas, na Bélgica.

No documento conjunto, os países que participaram da reunião expressaram "profunda preocupação" com a Guerra da Ucrânia, mas não citam a Rússia de Vladimir Putin, como desejava o chileno.

"Não tenho por que concordar com essa visão dele. A reunião foi extraordinária. Possivelmente, a falta de costume de participar dessas reuniões faz com que o jovem seja mais sequioso, mais apressado. Mas as coisas acontecem assim", disse Lula, 77. Boric tem 37 anos.

O presidente do Chile, Gabriel Boric, chega ao Palácio do Itamaraty, em Brasília, para reunião de líderes da América do Sul convocada por Lula
O presidente do Chile, Gabriel Boric, chega ao Palácio do Itamaraty, em Brasília, para reunião de líderes da América do Sul convocada por Lula - Pedro Ladeira - 30.mai.23/Folhapress

"Já tive essa pressa. No primeiro ano de mandato, eu ia para reunião do G7 e queria que as coisas fossem decididas ali, naquela hora. ‘Tem que decidir porque o Brasil precisa...’. Não. Ali não é só o interesse do Brasil, a gente estava discutindo a posição de 60 países. E, portanto, a gente tem que compreender que nem todo mundo concorda com a gente, tem a mesma pressa, tem a mesma visão sobre qualquer coisa. […] Ele tem um pouco mais de ansiedade que os outros", afirmou Lula.

Para o petista, a condição essencial para a paz no conflito em curso no Leste Europeu é o fim das hostilidades. "Enquanto tiver tiro não tem conversa", disse. "É preciso sentar à mesa. O que nós queremos é que pare a guerra. Depois, senta-se numa mesa e discute."

Por outro lado, lula disse compreender o nervosismo da União Europeia (UE) em relação à guerra, o que, segundo o brasileiro, é normal, uma vez que ele está a "14 mil quilômetros de distância". "Mas é exatamente pelo fato de a gente estar distante que a gente pode ter a tranquilidade de não entrar no clima em que os europeus estão e tentar criar um clima para construir a paz."

Horas após a fala do petista, Boric respondeu afirmando que não se sentiu ofendido. "Sinto-me muito tranquilo", disse ele ao desembarcar em uma estação de trem na França após deixar a capital Bruxelas. "Nas oportunidades em que conversei com ele [Lula], tive a melhor das impressões", afirmou, segundo o jornal La Tercera.

Boric acrescentou que os dois governos podem ser "da mesma família política", em relação ao fato de estarem à esquerda, mas que "podem ter matizes em torno disto [a guerra], e a posição do Chile é de respeito à importância da defesa do direito internacional".

"Tenho profunda convicção de que temos que ser categóricos e claros, não podemos deixar nenhum espaço de dúvida, e isso é algo que, aos olhos da história, envelhece bem", acrescentou, em referência à defesa de um posicionamento mais enfático contra a agressão russa.

Lula já falou diversas vezes sobre o conflito que se desenrola há mais de 500 dias. Em muitos casos, virou alvo de críticas de potências ocidentais por equiparar as responsabilidades de Moscou e de Kiev, apesar de a invasão territorial ter partido da Rússia.

"Putin não toma a iniciativa de parar. [O presidente ucraniano] Zelenski não toma a iniciativa de parar. A Europa e os EUA continuam contribuindo para a continuidade desta guerra. Temos que se sentar à mesa e dizer para eles: 'Basta'", afirmou ele em abril.

Já Boric tem sido firme ao criticar a ofensiva russa. Nesta terça, ele havia pedido que os líderes da Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos) fossem enfáticos ao condenar a invasão, reiterando manifestações anteriores do governo chileno. "Do Chile, condenamos a invasão da Ucrânia, a violação de sua soberania e o uso ilegítimo da força", disse Boric ainda no início da invasão russa.

Dois dos principais líderes de esquerda na América Latina, Lula e Boric manifestaram divergências nos últimos meses também sobre o regime da Venezuela. Em maio, o chileno criticou uma fala do petista de que havia "narrativas" sobre a situação no país de Nicolás Maduro.

"Não é uma construção narrativa, é uma realidade", disse Boric após encontro de líderes sul-americanos em Brasília, incluindo Maduro. "É [uma realidade] séria, e tive a oportunidade de vê-la nos olhos e na dor de centenas de milhares de venezuelanos que vêm à nossa pátria e que exigem, também, uma posição firme e clara para que os direitos humanos sejam respeitados sempre e em todos lugares."

Na Guerra da Ucrânia, Lula tem defendido a proposta da criação de uma espécie de "clube da paz" para o fim do conflito, que englobaria países como o Brasil, a China e a Indonésia. Segundo ele, as negociações deveriam ser conduzidas por um grupo semelhante ao G20, que reúne as maiores economias do mundo.

A ideia ventilada, porém, não tem encontrado eco no exterior. Havia a expectativa de que o tema fosse abordado quando Lula foi a Pequim e encontrou o líder chinês, Xi Jinping, por exemplo, mas o assunto não ganhou protagonismo na agenda entre os dois países.

Nos primeiros meses deste terceiro mandato, Lula enviou seu assessor especial para política externa, Celso Amorim, a Moscou. No Kremlin, o ex-chanceler se reuniu com Putin e alguns assessores do presidente russo para falar sobre o conflito.

Meses depois, pressionado por críticas, Lula também enviou Amorim a Kiev, onde o diplomata esteve com Zelenski e com representantes da chancelaria ucraniana. Na ocasião, o assessor especial de Lula disse que os diálogos foram positivos, mas que a ambição brasileira para o fim da guerra levaria tempo. "Não há solução imediata."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.