Descrição de chapéu Eleições na Venezuela

Lula diz não reconhecer Maduro vitorioso e agora sugere nova eleição na Venezuela

Ideia tem apoio da Colômbia, mas rechaço de oposição e regime; ditador diz que EUA querem ser órgão eleitoral da Venezuela

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Brasília e São Paulo

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse nesta quinta-feira (15) que não reconhece o ditador Nicolás Maduro como vitorioso nas eleições da Venezuela e sugeriu novas eleições ou um governo de coalizão como saídas para a crise no país vizinho.

"Ainda não [reconheço Maduro como vitorioso]. Ele sabe que está devendo explicação para a sociedade brasileira e para o mundo", afirmou Lula. "Tem varias saídas, como fazer governo de coalizão, convocar a oposição. Muita gente não votou em mim e eu trouxe todo mundo para o governo."

O presidente Lula (PT) participa de reunião para anúncio de investimentos na indústria Farmacêutica, no Palácio do Planalto. - Pedro Ladeira-14.8.2024/Folhapress

O presidente respondeu a críticas de que o Brasil, como fizeram Argentina e Estados Unidos, deveria reconhecer a vitória do candidato de oposição Edmundo González nas eleições do dia 28.

"Não posso dizer que a oposição foi vitoriosa porque não tenho os dados. E muito menos posso dizer que o Maduro foi vitorioso porque não tenho os dados. Não quero me comportar de forma apaixonada e precipitada, quero resultados", disse Lula.

A oposição venezuelana afirma que venceu as eleições com base no que afirmam ser as atas eleitorais de cerca de 80% das mesas de votação do país. Com esses documentos em mãos, que foram publicados online, a aliança antichavista diz que González teve 67% dos votos contra 30% de Maduro.

Esses números são consistentes com análises independentes de veículos como os americanos The New York Times e The Washington Post. Ademais, as atas eleitorais apresentadas pela oposição têm alta probabilidade de serem legítimas, de acordo com a checagem de uma organização colombiana. Um dos únicos observadores independentes do pleito, o Carter Center, também indicou vitória de González.

O CNE (Conselho Nacional Eleitoral) da Venezuela proclamou Maduro vencedor com 52% dos votos contra 43% da oposição, mas não apresentou as atas (similares ao boletim de urna no Brasil) que comprovariam esse resultado, apesar de forte pressão internacional, inclusive do Brasil.

"Se [Maduro] tiver bom senso, podia tentar fazer conclamação ao povo da Venezuela, quem sabe até convocar novas eleições", disse Lula nesta quinta. "[Um pleito] que participe todo mundo e deixar que participem olheiros. O que não posso é ser precipitado e tomar decisão. Quero respeitar soberania dos outros países."

Esta foi a segunda vez que o presidente mencionou publicamente a eleição no país vizinho. Na anterior, foi alvo de críticas por afirmar que não via nada de anormal na situação venezuelana. Aliados disseram que ele quis se referir ao dia da eleição, no sentido de que não houve violência.

Na entrevista desta quinta, ele buscou corrigir o rumo da declaração anterior e afirmou que o dia da eleição transcorreu sem suspeitas.

Lula sugeriu pela primeira vez uma segunda eleição na Venezuela em uma reunião ministerial na última quinta-feira (8). Segundo relatos de participantes, o presidente disse que, sem provas de que as eleições foram limpas, Maduro teria de convocar um novo pleito ou seria eternamente chamado de ditador.

A saída via uma nova eleição foi sugerida a Lula por seu assessor internacional, o embaixador Celso Amorim. Nesta quinta, o ex-chanceler questionou a resistência à ideia, argumentando que, se o pleito fosse repetido, os atores que se declararam vencedores certamente "ganhariam de novo".

Amorim, entretanto, disse não haver uma proposta oficial do Brasil nesse sentido e sim uma ideia que "está aí" e que, se ela ocorresse, precisaria de uma "supervisão internacional robusta". Reafirmou ainda que Brasília não deve reconhecer Maduro sem a apresentação das atas eleitorais pelo CNE.

A possibilidade de uma repetição do pleito do dia 28 tem o apoio da Colômbia, que segue coordenando com o Brasil uma resposta à crise no país vizinho. O presidente Gustavo Petro citou um acordo que colocou fim a uma ditadura na Colômbia como experiência válida para a Venezuela, e depois publicou uma lista de propostas para os próximos passos.

"Suspensão de todas as sanções contra a Venezuela. Anistia geral nacional e internacional. Garantias totais à ação política. Governo de coabitação transitório. Novas eleições livres", escreveu ele nesta quinta na rede social X.

Ele afirmou ainda que um acordo político interno no país seria o melhor caminho para a paz. "Depende apenas dos venezuelanos", concluiu o colombiano, que vinha sendo criticado pela falta de posicionamentos mais firmes em relação à ditadura.

O presidente dos EUA, Joe Biden, também pareceu apoiar novas eleições —quando questionado durante entrevista coletiva se apoiava a ideia, o democrata disse "sim, apoio". Entretanto, mais tarde, um porta-voz da Casa Branca amenizou a declaração, dizendo que Biden se referia "ao absurdo de que Maduro e seus aliados não tenham sido honestos sobre as eleições". Houve rumores de que o presidente não teria ouvido ou entendido a pergunta, mas não há nenhum posicionamento da Casa Branca nesse sentido.

A embaixada dos EUA na Venezuela também disse que a política americana para o país caribenho "segue sem mudanças", afirmando que Maduro deve reconhecer sua derrota.

Novas eleições são rejeitadas por regime e oposição

Mas a hipótese de um novo pleito é rechaçada pelos dois campos políticos na Venezuela. O ditador Nicolás Maduro rejeitou a ideia na quinta, dizendo que os EUA estão tentando se tornar a autoridade eleitoral na Venezuela.

"Biden deu uma opinião intervencionista sobre as questões internas da Venezuela, mas [os EUA] o desmentiram", acrescentou Maduro.

Ele também pareceu fazer uma alusão às sugestões do Brasil e da Colômbia ao declarar que não é adepto da "diplomacia do microfone". "Nunca faço isso", afirmou, sem no entanto mencionar Lula e Petro. "Caso contrário, a gente se torna conselheiro de outros países", acrescentou.

Outros líderes do regime foram mais duros em relação às propostas estrangeiras. "É uma estupidez", afirmou o número 2 do chavismo, Diosdado Cabello, sobre a possibilidade de novas eleições.

"Não vamos repetir eleições coisa nenhuma", disse o vice-presidente do PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela), a legenda que controla o Estado venezuelano e tem Maduro na liderança. "Um segundo turno? Na Venezuela não há segundo turno. Senhores... Não se metam nos assuntos internos da Venezuela que vamos respondê-los."

A principal líder da oposição na Venezuela, María Corina Machado, também descartou a possibilidade. Ela já declarou que o resultado da eleição realizada em 28 de julho não é negociável, e que propor uma repetição "é uma falta de respeito com os venezuelanos".

"Se eles [o regime] não gostam dos resultados fazemos o que? Vamos a uma terceira [eleição]? Uma quarta? Uma quinta? Até que Maduro goste dos resultados? Vocês aceitariam isso nos seus países? Que os resultados, se não são satisfatórios, se repitam a novas eleições? Tivemos eleições com regras de uma tirania", disse María Corina em uma entrevista coletiva online.

A líder opositora também rejeitou a ideia de uma coalizão, que foi levantada por Lula. "Em outros exemplos de coalizão havia diferenças políticas entre grupos em conflito, mas esses mesmos grupos eram democráticos", afirmou. "Não é o caso aqui."

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