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Marinha da Rússia treinou para atacar países europeus com armas nucleares

Documentos revelados pelo Financial Times mostram preparação de Moscou para guerra total contra a Otan

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Max Seddon Chris Cook
Financial Times

A Rússia treinou sua marinha para mirar alvos na Europa usando mísseis capazes de transportar armas nucleares em um potencial conflito com a Otan, de acordo com arquivos secretos vistos pelo Financial Times.

Mapas de alvos distantes da Rússia, como a costa oeste da França e a cidade de Barrow-in-Furness, no Reino Unido, são detalhados em uma apresentação para oficiais que antecede a invasão em larga escala da Ucrânia.

O FT já havia relatado anteriormente, a partir do mesmo conjunto confidencial de 29 arquivos militares russos, que Moscou havia ensaiado o uso de armas nucleares táticas nas fases iniciais de um eventual conflito contra uma grande potência mundial.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, observa o desfile anual da Marinha em São Petesburgo, na Rússia, ao lado do Almirante Alexander Moiseiev - Vyacheslav Prokofyev - 28.jul.24/Sputnik via Reuters

As últimas revelações mostram como a Rússia imaginou um conflito com o Ocidente se estendendo bem além de sua fronteira imediata da Otan, planejando uma série de ataques avassaladores em toda a Europa Ocidental. Os documentos foram mostrados ao FT por fontes ocidentais.

Os arquivos, elaborados entre 2008 e 2014, incluem uma lista de alvos para mísseis que podem transportar tanto ogivas convencionais quanto armas nucleares táticas. Oficiais russos destacam as vantagens do uso de ataques nucleares em uma fase inicial de um conflito.

A apresentação também indica que a Rússia manteve a capacidade de transportar armas nucleares em navios de superfície, uma decisão que, segundo especialistas, acarreta riscos significativos de escalada ou acidentes.

O documento observa que a "alta flexibilidade" da marinha permite realizar "golpes súbitos e preventivos" e "ataques maciços de mísseis de várias direções". Ele acrescenta que as armas nucleares são "geralmente" pensadas para uso "em combinação com outros meios de destruição" para alcançar os objetivos da Rússia.

O submarino nuclear Kazan, da Marinha Russa, é visto em Havana durante visita oficial a Cuba - Yamil Lage - 17.jun.24/AFP

Analistas que revisaram os documentos disseram que eles eram consistentes com a forma como a Otan avaliou a ameaça de ataques de mísseis de longo alcance pela marinha russa e a velocidade com que Moscou provavelmente recorreria ao uso de armas nucleares.

Os mapas, feitos para fins de apresentação e não para uso operacional, ilustram uma amostra de 32 alvos da Otan na Europa.

Mas William Alberque, ex-oficial da Otan agora no Stimson Center, disse que a amostra era uma pequena parte de "centenas, se não milhares, de alvos mapeados em toda a Europa, incluindo alvos militares e de infraestrutura crítica".

A capacidade da Rússia de atacar toda a Europa significa que alvos em todo o continente estariam em risco assim que seu exército se envolvesse com as forças da Otan em países fronteiriços, como os estados bálticos e a Polônia, disseram analistas e ex-funcionários.

"O conceito de guerra deles é guerra total", disse Jeffrey Lewis, professor do Instituto Middlebury de Estudos Internacionais em Monterey, que estuda controle de armas.

"Eles veem essas coisas [ogivas nucleares táticas] como armas potencialmente vencedoras de guerra", acrescentou. "Eles vão querer usá-las e vão querer usá-las rapidamente."

Armas nucleares táticas, que podem ser entregues por mísseis lançados por terra ou mar ou por aeronaves, têm um alcance menor e são menos destrutivas do que as armas "estratégicas" maiores projetadas para atingir os EUA.

No entanto, elas ainda podem liberar significativamente mais energia do que as lançadas sobre Nagasaki e Hiroshima em 1945.

O presidente russo, Vladimir Putin, recorreu repetidamente a ameaças contra os aliados europeus da Ucrânia para evitar o apoio militar ocidental a Kiev. "Eles precisam lembrar que são estados pequenos e densamente povoados", disse ele em maio.

A apresentação também faz referência à opção de um chamado ataque de demonstração - detonar uma arma nuclear em uma área remota "em um período de ameaça imediata de agressão" antes de um conflito real para assustar os países ocidentais. A Rússia nunca reconheceu que tais ataques estão em sua doutrina.

Tal ataque, dizem os arquivos, mostraria "a disponibilidade e prontidão para o uso de armas nucleares não estratégicas de precisão" e a "intenção de usar armas nucleares".

Alberque, ex-diretor do Centro de Controle de Armas, Desarmamento e Não Proliferação de Armas de Destruição em Massa da Otan, disse: "Eles querem que o medo do uso de armas nucleares russas seja a chave mágica que desbloqueia a aquiescência ocidental."

Os arquivos disseram que a principal prioridade da Rússia em um conflito com a Otan era "enfraquecer o potencial militar e econômico do inimigo". Analistas disseram que isso significava que Moscou atacaria locais civis e infraestrutura crítica, como fez na Ucrânia.

Fabian Hoffmann, pesquisador doutoral da Universidade de Oslo que estuda política nuclear, disse que a combinação de ataques nucleares e convencionais descritos na apresentação compõe "um pacote para basicamente sinalizar ao adversário que as coisas estão realmente esquentando agora. E seria sábio para você começar a conversar conosco sobre como podemos resolver isso."

De acordo com cálculos da Otan, os países da aliança têm menos de 5% das capacidades de defesa aérea necessárias para proteger a fronteira oriental da aliança contra um ataque em larga escala da Rússia.

Putin disse em junho que a Europa estaria "mais ou menos indefesa" contra os ataques de mísseis russos. Dara Massicot, uma pesquisadora sênior do Carnegie Endowment for International Peace, disse que os estrategistas russos em parte consideram as armas nucleares como centrais nas fases iniciais de qualquer conflito com a Otan devido aos recursos convencionais inferiores de seu exército. "Eles simplesmente não têm mísseis suficientes", disse ela.

Imagens de pessoal naval no Distrito Militar de Leningrado envolvidos em um exercício de treinamento. A descrição oficial diz que estão equipando "mísseis de cruzeiro baseados no mar com ogivas especiais de treinamento" e irão "se deslocar para áreas de patrulha designadas".

Imagem oficial das Forças Armadas da Rússia mostra míssil nuclear sendo transportado na região de Orenburg - Ministério de Defesa da Rússia via Reuters

Os documentos vazados também indicam que a Rússia manteve a capacidade de transportar armas nucleares táticas em navios de superfície, apesar de um acordo de 1991 entre a União Soviética e os EUA para removê-las.

Entre os portadores de armas nucleares táticas da Rússia, estão listados "mísseis antissubmarinos com ogivas nucleares colocados em navios de superfície e submarinos" e "mísseis antiaéreos guiados baseados em navios e em terra com ogivas nucleares para derrotar grupos de defesa aérea inimiga".

A admissão foi impressionante, dada os perigos inerentes de transportar armas nucleares no mar, mesmo em tempos de paz, disse Alberque.

Ao contrário de um submarino de mísseis balísticos estratégicos projetado para disparar cargas nucleares do fundo do oceano, um navio de superfície com ogivas nucleares a bordo estaria em maior risco de danos causados por tempestades ou um ataque inimigo.

Exercícios recentes ordenados por Putin para ensaiar o uso de armas nucleares táticas indicam que os documentos vazados ainda estão em conformidade com a doutrina militar russa atual.

Em junho, as forças armadas da Rússia praticaram o carregamento de mísseis de cruzeiro anti-navio de era soviética P-270 em uma corveta da classe Tarantul em Kaliningrado, onde autoridades da Otan dizem que a Rússia armazena um estoque não declarado de ogivas nucleares táticas.

Imagens dos exercícios mostraram as tropas do 12º batalhão GUMO da Rússia, guardiões de ogivas nucleares dentro do exército russo, praticando o movimento do míssil no contêiner que usariam para mover uma ogiva nuclear.

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