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06/11/2012 - 03h30

Tendências/Debates: Um sonho brasileiro

SILVANO RAIA

Poucas vezes os sonhos da infância se transformam em realidade. Mais raramente, ela os supera.

No dia de hoje, o sonho de um jovem de Ipaussu, pequena cidade do interior paulista, se realiza, ultrapassando os mais exuberantes devaneios de seus primeiros anos de vida. O professor José Osmar Medina Pestana recebe o mais alto reconhecimento que a Universidade Harvard concede a expoentes da medicina moderna. Trata-se do prêmio Joseph Murray, que leva o nome do cirurgião que foi Prêmio Nobel de Medicina em 1990. Ele, em 1954, realizou o primeiro transplante de um órgão sólido, substituindo o rim doente de um paciente por outro sadio, doado por seu irmão gêmeo univitelino.

Assim fazendo, inaugurou a era dos transplantes, que se constituiu, sem sombra de dúvida, no maior progresso da cirurgia do século 20.

Hoje, Joseph Murray, com 95 anos, entregará ao médico brasileiro o prêmio por ter desenvolvido aqui em São Paulo, no Hospital do Rim, um programa exemplar, que nos últimos 12 anos transplantou cerca de 10 mil pacientes. Realiza atualmente mais de mil procedimentos por ano, o que o situa como o centro com a maior casuística no mundo.

De origem simples, o laureado sempre sonhou em ser médico. Iniciou sua atividade profissional como torneiro, obtendo daí meios para frequentar o cursinho pré-vestibular e ingressar na então chamada Escola Paulista de Medicina (EPM).

Durante o curso médico, continuou trabalhando, exercendo funções de laboratório que lhe permitiram frequentar a disciplina de nefrologia. Sempre se distinguindo pela inteligência e pela dedicação, foi convidado em 1983 pelo professor Oswaldo Luis Ramos a chefiar o programa de transplante renal que se iniciava em nosso país.

De 1995 a 2000, participou da construção e da organização do Hospital do Rim e Hipertensão, inaugurado em 1998. Durante esse período, organizou a comissão médica de pesquisa que, até hoje, define normas para a realização de transplantes.

Ao longo desse caminho, revelou grande sensibilidade administrativa na diretoria clínica do Hospital São Paulo e do Hospital Geral de Vila Maria, que foi a primeira instituição pública a ser administrada em regime público-privado com a EPM.

Valendo-se da rara associação entre capacidades clínica, científica e administrativa, organizou no Hospital do Rim um modelo setorizado baseado em uma "linha de montagem" que permite realizar, em uma mesma instituição, grande número de transplantes com ótimos resultados.

Seu sucesso, porém, não o afastou dos seus sonhos de menino de Ipaussu. Por mais de 25 anos, a cada dois meses, lá atendeu gratuitamente de 20 a 30 pacientes, o que justifica seu status de ícone da cidade.

Atualmente, orienta mais de 30 alunos admitidos na Unifesp pelo sistema de cotas, auxiliando a sua integração e apoiando iniciativas de intercâmbio internacional, tendo já enviado 22 desses alunos para o exterior. Neste ano, ingressou na Academia Nacional de Medicina.

Miguel de Cervantes conta que Dom Quixote transformava a realidade em fantasias ideais. Via na simplória Aldonza a princesa Dulcineia, que jurou defender.

A experiência mostra que não existe progresso sem "dulceneizar" em parte as Aldonzas que encontramos em nosso caminho. O difícil é identificar e respeitar a tênue fronteira que as separa. O professor José Medina soube fazê-lo, com serenidade, modéstia, tenacidade e, acima de tudo, sempre humanizando suas ações. Bem haja, Medina! Você representa a realização de um sonho brasileiro.

SILVANO RAIA, 82, é professor emérito da Faculdade de Medicina da USP e membro da Academia Nacional de Medicina

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