O modismo é algo que também atinge o direito penal. Em determinadas épocas, alguns assuntos dessa disciplina ficam em voga, e grande parte da doutrina passa a consagrar seus estudos a tais temas.
Atualmente, o compliance (conformidade com as normas) é a nova tendência que se apresenta na passarela do direito penal.
Muito se fala dele: uma nova forma de estruturar a atividade empresarial e, assim, adequá-la ao cumprimento das leis; o principal instrumento para preservar a reputação de uma empresa; um programa que impede que os dirigentes e funcionários da pessoa jurídica pratiquem crimes. Mas será que isso é mesmo verdade? Afinal, o que podemos esperar de um programa de conformidade?
Para inflar esse ceticismo face à crença no compliance, basta constatar que algumas das empresas que tiveram envolvimento na Lava Jato já possuíam, antes mesmo da operação, programas de conformidade.
No entanto, tais programas não foram capazes de impedir a prática de crimes, como os de geração de caixa dois, corrupção ou lavagem de dinheiro nessas empresas.
Efetivamente, o compliance era muitas vezes desrespeitado pelos dirigentes e funcionários dessas corporações. Canais de denúncia não funcionavam, e o departamento responsável por essa área era "para inglês ver", subordinado aos demais departamentos da empresa e sem nenhum poder de fiscalização e de disciplina.
Entretanto nem tudo está perdido. Apesar das duras críticas que podemos fazer à real efetividade de um programa de conformidade, a Lava Jato também nos ensinou que um programa sério de compliance pode, sim, evitar práticas delitivas. Contudo, a sua simples existência dentro da pessoa jurídica não é o suficiente para tanto.
De fato, para que o programa de conformidade consiga realmente manter a empresa nos trilhos da legalidade, é necessário muito mais. Em primeiro lugar, o "compliance office" deve ter autonomia, funcionando como uma espécie de "corregedoria" dentro da pessoa jurídica.
Em segundo lugar, o programa deve possuir um poder de disciplina dentro da empresa, ou seja, ele deve se impor sobre todos os dirigentes e funcionários da pessoa jurídica, pouco importando a posição hierárquica destes.
Em terceiro lugar, ele deve organizar a estrutura funcional da empresa, evitando que defeitos organizacionais possam facilitar ou fomentar a perpetração de atos ilícitos.
Em quarto lugar, o compliance precisa criar dentro da pessoa jurídica uma cultura corporativa contrária à ilegalidade, para que todos os dirigentes e funcionários percebam que, por mais lucrativo que um crime possa parecer, jamais compensa.
É somente dessa forma que teremos um efetivo programa de compliance, o qual será realmente capaz de evitar práticas delitivas no seio da pessoa jurídica, conferindo a ela um "selo de integridade".
E foi por ainda acreditar na existência de programas sérios de compliance que alguns acordos de colaboração premiada e de leniência, celebrados na operação Lava Jato, impuseram aos seus signatários a obrigação de adotar um programa de conformidade no âmbito de suas atividades empresariais.
Esse dado é simbólico e demonstra que o Poder Judiciário ainda confia no compliance e o vê como um importante instrumento de combate à corrupção. No entanto, para que esse instrumento realmente funcione, o programa de conformidade não pode existir apenas em aparência, mas deve ser aplicado e respeitado dentro da empresa, pois somente o compliance efetivo jamais sairá da moda —nem na doutrina, nem na prática corporativa.
Décio Franco David e Tracy Reinaldet: Por que (ainda) devemos acreditar no compliance
Apesar das críticas à real efetividade de um programa de conformidade, a Lava Jato mostrou que um programa sério de compliance pode, sim, evitar práticas delitivas
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