Descrição de chapéu
Pedro Henrique de Christo

Urbanismo climático para evitar o colapso

É urgente produzir estruturas multifuncionais de resiliência nas cidades

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Pedro Henrique de Christo

Urbanista climático, é professor visitante de desenho urbano no Urbam-Eafit Medellín e presidente do Nave (Novo Acordo Verde); diretor do Parque Sitiê e MPP’11 Harvard

A atmosfera global, que nos mantém vivos, sofre uma mudança radical devido ao uso de combustíveis fósseis e à destruição de ecossistemas, vitais para a natureza e a humanidade. Como resultado, a crise climática se torna cada vez mais intensa. Seus eventos extremos, ao se encontrarem com territórios despreparados, devastam a vida da população em catástrofes como a do Rio Grande do Sul. Como o clima engloba tudo —junto aos terríveis números que apontam pelo menos 107 mortos, 136 desaparecidos, 165 mil desalojados, 67 mil desabrigados e 1,4 milhão de pessoas atingidas em 414 municípios do estado (83%)— há o risco de colapso sistêmico.

As enchentes e os deslizamentos causam a destruição da infraestrutura de cidades e territórios, como na rede de transportes, drenagem e queda parcial ou total dos serviços de água, esgoto e energia.

Consequentemente, emergem graves problemas de segurança, saúde e limpeza associados à parálise logística de pessoas, serviços, abastecimento (como alimentos e água) e atividades econômicas. A falência civilizatória é o grande risco da crise climática. Em meio à tragédia, lideranças e especialistas defendem a reconstrução de maneira reativa e titubeante sobre como nos preparar para futuros eventos extremos. Então, o que fazer para salvar vidas e evitar o colapso?

Vista aérea de Canoas (RS) - Nelson Almeida/AFP - AFP

Simultaneamente à transição energética e à regeneração ambiental, que, mesmo se plenamente empreendidas agora só terão impacto no médio e longo prazo, precisamos rapidamente reformar nossas cidades e territórios e mudar a maneira como o fazemos, removendo o mínimo de pessoas de suas comunidades.

Hoje, nossas cidades são cobertas por concreto e asfalto, que impedem a água de penetrar no solo, e aumentam seu acúmulo e velocidade. Não podemos enfrentar os desafios climáticos do século 21 com infraestruturas e urbanismo do século 20, que se tornaram uma verdadeira armadilha.

É urgente produzir controle climático por meio de estruturas multifuncionais de resiliência urbana, onde são utilizados elementos naturais de terreno, vegetação e água como tecnologias construtivas associadas à aplicação pontual de materiais duros, como o concreto, com o objetivo de fazer a água penetrar no solo, ser absorvida por vegetação que incha, diminuir sua velocidade e ser concentrada em áreas previstas para alagamento —junto a redes de drenagem construídas como parte de espaços públicos verdes de integração e sustentabilidade.

Essa lógica já é aplicada da Holanda, país que superou o trauma das enchentes, a cidades como Nova York e Los Angeles em vultosas iniciativas de espaços públicos onde estruturas cinzas são substituídas por novas áreas verdes e azuis acopladas a investimentos em reúso de água e energia limpa.

A síntese dessas práticas, com o urbanismo social de Medellín e novas tecnologias de resiliência desenvolvidas no Parque Sitiê por equipe de Harvard e MIT com a comunidade do Vidigal, no Rio, dá-se o nome de urbanismo climático. Em estratégia desenvolvida pelos criadores dessas iniciativas em parceria com lideranças da gestão Bloomberg em Nova York, esse mesmo grupo desenvolveu na favela carioca um instrumento de antecipação urbana —a tecnologia de modelagem 4D, onde simulações de cenários de chuva, deslizamentos e enchentes em maquetes digitais de área construída e natural são capazes de prever com 95% de precisão cenários futuros, o que permite evitar desastres e testar projetos.

Além de mais efetivo, o urbanismo climático é em média sete vezes mais barato, pois o concreto e outros materiais duros são o que mais elevam o custo das obras. Grandes investimentos precisam ser feitos, mas o custo da inação é muito maior. No ano passado, fora as vítimas, o prejuízo causado pelos extremos climáticos foi de R$ 105 bilhões no Brasil, ou 1% do nosso PIB (CNM).

Nesse desafio existencial, o mais importante são as pessoas. Como no nosso país 87% delas vivem nas cidades, o urbanismo climático é prioridade imediata. A situação é crítica e há muito trabalho pela frente, mas é essencial lembrar que é nas grandes crises que nascem as maiores vitórias.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.