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Fábio Romeu Canton Filho: De quem é a culpa pela lentidão da Justiça?

Advogados estão prontos para contribuir com mais celeridade à Justiça, mas não aceitam ser responsabilizados pela demora nos processos

Sede do Supremo Tribunal Federal, em Brasília
Sede do Supremo Tribunal Federal, em Brasília - Pedro Ladeira - 3.abr.18/Folhapress

Nos shows midiáticos em que se transformaram as sessões do Supremo Tribunal Federal, veem-se ministros, subliminar ou diretamente, responsabilizando a defesa pela morosidade da Justiça brasileira.

Em ímpetos de indignação cívica —com pérolas de platitudes contra a corrupção, a desigualdade e outras mazelas nacionais a favor das quais ninguém é, ao menos assumidamente—, magnânimos magistrados atacam a estrutura judicial que oferta aos réus quatro instâncias recursais. Recursos e mais recursos, embargos e mais embargos esticariam ao infinito processos que deveriam tramitar celeremente.

Para alguns magistrados, assim, advogados são meros proteladores.

Devemos lembrar-lhes que advogados são obrigados a cumprir prazos estreitos para ingressarem com qualquer tipo de recurso, em qualquer instância, enquanto nada acontece a juízes que põem processos para dormitar ad eternum em suas gavetas.

Também poderíamos lembrá-los de que a demora processual nem sempre agrada à defesa —ousamos até afirmar que, na maioria das vezes, desagrada.

Neste espaço, porém, não nos ateremos a criticar esta ou aquela postura deste ou daquele magistrado. Pretendemos esboçar um diagnóstico que explica a lentidão da Justiça no Brasil.

Segundo o Conselho Nacional de Justiça, de 2009 a 2016 a chamada taxa de congestionamento do Judiciário foi de 73%, ou seja, apenas 27% dos processos que tramitaram no período foram solucionados, gerando um acúmulo de 80 milhões de casos pendentes.

Saliente-se, ainda conforme o CNJ, que o Índice de Produtividade dos Magistrados (IPM) em 2016 foi de 1.749 processos por juiz, o que significa que cada magistrado solucionou mais de sete casos por dia, média acima do que se alcança na Itália, na Espanha e em Portugal.

Desses números depreende-se que aumentando o número de juízes resolve-se o problema da morosidade da Justiça? Não é bem assim. Critérios quantitativos não explicam sozinhos a demora processual.

É fundamental que o magistrado mostre clareza ao proferir uma sentença, o que caracteriza eficiência, evitando-se o altíssimo volume de decisões reformadas e em desacordo com a jurisprudência. Juízes titulares devem aprimorar a gestão de seus gabinetes, aperfeiçoando os procedimentos para produção de decisões.

Nos últimos tempos, tornou-se corriqueiro apontar a elevada “judicialização” dos assuntos e das práticas cotidianas da nossa sociedade, fator que congestionaria o sistema judiciário à medida que processos subiriam instâncias acima até o gargalo das cortes superiores, onde travariam por excesso.

Não se pode enxergar na assertiva acima uma verdade absoluta. Se, por um lado, a Constituição de 1988 abriu aos brasileiros as portas da Justiça, essa mesma Justiça ainda lhes é cara e, portanto, muito mais acessada pelos chamados grandes litigantes do que pela população em geral.

Além disso, dos 95 milhões de processos em andamento no país, 51% referem-se a execuções fiscais, recuperação de valores devidos a municípios, Estados e União, os quais poderiam, a exemplo do que acontece nos Estados Unidos e na maioria dos países da Europa, ser resolvidos pela própria administração pública ou por agências reguladoras.

Também merecem ser discutidos a fundo mecanismos de aglutinação de processos, que em outros países renderam bons resultados no sentido de eliminar a sobrecarga dos tribunais. O chamado “instituto das demandas repetitivas”, além disso, pode coibir decisões individuais mal fundamentadas.

A advocacia, braço inseparável da democracia, também enxerga nos dispositivos de mediação, conciliação e arbitragem potencial contributivo para o desafogo da Justiça e consequente ganho em agilidade. Não tolera, contudo, que tais procedimentos ocorram sem a presença do advogado.

Se o artigo 10 da Lei da Mediação (lei 13.140/2015) diz que, nas conciliações, “as partes poderão ser assistidas por advogados ou defensores públicos”, isso significa apenas que o texto da lei é impreciso, se não inconstitucional, como escrevemos em outra oportunidade.

Os Cejuscs (Centros Judiciários de Solução de Conflito e Cidadania), unidades responsáveis por audiências de conciliação e arbitragem, não podem simplesmente ser palco de cidadãos em confronto, alheios a termos, condutas e princípios do direito.

Nesse sentido, a Seção de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil contribui para maior celeridade da Justiça por meio do OAB Concilia, programa realizado em parceria com o Poder Judiciário, em operação em mais de cem comarcas do Estado de São Paulo. No programa OAB Concilia, as partes obrigatoriamente são assistidas por seus advogados, e 80% dos casos resultam em acordo.

Os advogados estão prontos para contribuir com ações que proporcionem mais celeridade à Justiça, ao mesmo tempo em que não aceitam, em hipótese alguma, ser responsabilizados por sua lentidão.

Fábio Romeu Canton Filho

Advogado, é vice-presidente da OAB-SP

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