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Morton Scheinberg: Doença autoimune e febre amarela

Pacientes com doenças autoimunes em tratamento com medicações que suprimem a resposta imune devem se abster da vacina

A febre amarela é uma doença infecciosa febril aguda, e sua transmissão ocorre por mosquitos infectados em dois cenários epidemiológicos: silvestre ou urbano. No cenário urbano, o homem é o único hospedeiro. Após a introdução da vacina na década de 30, a doença urbana havia sido erradicada.

A vacina é uma forma atenuada do vírus, eficaz na prevenção da enfermidade. Junto com repelentes e redes, é responsável pela erradicação da doença na forma urbana. A proteção chega a quase 100% dos casos.

Recentes diretrizes da Organização Mundial da Saúde sugerem inclusive o fim da dose de reforço após dez anos, prática que até bem pouco tempo era recomendada mundialmente. Essas direções se aplicam à vacina “plena”, não à fracionada, que está sendo aplicada em caráter de urgência nos dias atuais.

Doenças autoimunes são enfermidades em que o sistema de defesa do organismo falha e passa a identificar elementos próprios do corpo humano como estranhos. Isso gera lesões nos órgãos por conta do ataque de autoanticorpos.

Pacientes portadores de doença autoimune devem evitar a vacina, uma vez que os medicamentos usados no tratamento dessas doenças diminuem as reações do sistema de defesa que o imunizante visa estimular. Caso ocorra vacinação, o vírus pode se disseminar e agravar o quadro geral do paciente.

Doenças autoimunes comuns incluem artrite reumatoide, lúpus eritematoso, psoríase, esclerose múltipla e doença inflamatória intestinal. Estima-se que 3% da população mundial sejam acometidos por manifestações clínicas decorrentes de reações autoimunes.

Os medicamentos em questão suprimem o sistema de defesa do organismo em diferentes graus. O médico que acompanha o paciente poderá orientar no caso de vacinação contra febre amarela.

Recomenda-se que a vacinação, caso ocorra, seja feita no início do tratamento. Ou que a terapia medicamentosa seja suspensa para a vacinação, caso o paciente esteja em área endêmica ou com viagem marcada para regiões com casos da doença.

É possível também que o paciente procure a vacinação sem consultar o médico. Foi o que aconteceu no Centro-Oeste anos atrás, quando pessoas com doenças autoimunes acabaram vacinando-se contra febre amarela sem saber que o seu quadro clínico poderia interferir com a imunização.

Para surpresa, muitos não desenvolveram a doença. Descobriu-se que esses pacientes já haviam recebido a vacina, e essa nova aplicação seria um reforço. Esse fato corrobora a nova orientação da OMS de que uma única dose gera toda a proteção de que o organismo precisa, e a dose de reforço não ocasionou uma reinfecção pois o organismo já tinha desenvolvido e reconhecido o vírus que causa a febre amarela.

Artigo sobre essa experiência em vida real no Brasil relatamos no periódico médico Arthritis Care and Research, revista oficial do Colégio Norte-Americano de Reumatologia.

O medo de contrair a doença provoca uma corrida pela vacina nos postos de saúde. Mas o seu uso requer indicações específicas. A vacinação é uma forma altamente eficaz para a prevenção da doença, mas pacientes com doenças autoimunes em tratamento com medicações que suprimem a resposta imune devem se abster da vacina.

Há que se levar em conta as orientações e contraindicações —o que pouco tem sido discutido— e evitar confusão com o aparecimento de possíveis  manifestações autoimunes após vacinação.

Morton Scheinberg

Livre-docente pela USP, é reumatologista do Hospital Israelita Albert Einstein

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