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Celso Cintra Mori: Em defesa das instituições

Não há direito de defesa contra a boa-fé processual

O advogado Celso Mori, em evento em São Paulo
O advogado Celso Mori, em evento em São Paulo - Mastrangelo Reino - 15.mar.10/Folhapress

Instituições são tanto as entidades institucionalizadas quanto alguns institutos de direito público, todos de interesse social. O STF é uma instituição. A colegialidade dos tribunais é uma instituição. As instituições são perenes. Só se alteram lenta e democraticamente. Um dos fatos que explicam a crise brasileira é justamente a crise institucional.

As instituições estão em crise porque os indivíduos que as deveriam representar e defender atuam para suplantá-las. O momento é de desorganização, que projeta o protagonismo de indivíduos e desconstrói as instituições.

Nessa crise institucional, o episódio do "solta-Lula-prende-Lula" expõe instituições em risco. O direito de defesa, sagrado e inegociável, é uma instituição fundamental na democracia. Para preservá-lo, é preciso exercê-lo sem aviltamento. Seu uso leviano o desgasta como instituição.

No episódio, três advogados ingressaram com habeas corpus perante desembargador incompetente, pleiteando a revogação de ordem de prisão emanada de Turma do TRF-4 que o desembargador destinatário do pedido nem sequer integra.

Fizeram-no fundados em suposto fato novo e urgente, o que não é verdadeiro, posto que a pré-candidatura é fato notório anterior ao julgamento que conduziu o réu à prisão. Além de fato notório, era também juridicamente irrelevante para o julgamento do habeas corpus, por ser incapaz de alterar os fundamentos da condenação.

Não existe direito de defesa contra a boa-fé processual. Experientes que são os impetrantes, seria surpreendente que imaginassem que a liberdade do paciente fosse durar indefinidamente. Após o fim de semana, a eventual ordem de soltura seria objeto de recurso ao juiz natural, justamente o colegiado que emitira a ordem de prisão anterior --que, ao que tudo indica, seria prontamente restabelecida.

Portanto, é possível supor que tivessem desejado criar oportuno fato político. Nesse caso, se colocariam em confronto a sacralidade institucional do direito de defesa e o seu uso abusivo para fins político partidários. A OAB deve considerar os fatos para resguardar o regular exercício do direito de defesa, instituição permanente e inafastável que não pode servir a outros fins que não sejam a defesa do réu, nem se fundar em fato não verdadeiro.

O instituto do juiz natural é um dos fundamentos da imparcialidade. Atribui o julgamento a quem se encontre em determinada posição na organização judiciária, independentemente da sua relação com as partes e seus advogados. A busca intencional de um determinado juiz plantonista viola a instituição do juiz natural. O plantão judiciário é instituição que se destina exclusivamente a decisões urgentes em dias em que o Judiciário como um todo não funciona.

Usar essa instituição para fins de conveniência circunstancial constitui grave ameaça a ela. O juiz plantonista que aceita decidir em regime de urgência um fato novo que notoriamente não era fato novo, e que não se relaciona aos fundamentos da prisão, precisa ter a sua conduta examinada institucionalmente. O que está em risco é a instituição da magistratura.

O que um juiz decide dentro da sua competência é problema dele e de sua consciência. Mas, quando o juiz decide se atribuindo competência que sabidamente não tem, sua atuação funcional precisa ser examinada pela corregedoria de sua instituição profissional. 

Em defesa institucional do juiz natural também se deve considerar que um juiz em férias se afasta naturalmente da sua jurisdição. Há jurisprudência em contrário, minoritária. Mas juiz temporariamente sem jurisdição não pode atuar como juiz. Juiz em férias tem substituto legal a quem institucionalmente cabe decidir o que for necessário. Do episódio, portanto, restam tarefas inadiáveis de reconstrução institucional, único caminho para sair da crise.

Celso Cintra Mori

Advogado formado pela Faculdade de Direito da USP

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