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Claudio Weber Abramo

Risco de retrocesso na proteção de dados pessoais

Preocupa a omissão sobre os números cadastrais na nova lei de proteção de dados pessoais

Claudio Weber Abramo, em foto de 2012
Claudio Weber Abramo, em foto de 2012 - Flavio Florido - 7.dez.12/UOL

Encontra-se na Presidência da República, para sanção, o projeto de lei da Câmara nº 53/2018, que trata da proteção de dados pessoais. A nova lei entrará em vigor 18 meses após ser sancionada. Dados pessoais só poderão ser usados (publicados, por exemplo) caso haja previsão legal ou com autorização explícita das pessoas em questão.

Estão isentos de seu alcance a imprensa, as manifestações artísticas e as finalidades acadêmicas; também a circulação de dados financeiros, que são objeto de outros dispositivos.

A iniciativa recebeu apoio generalizado, o que à primeira vista se justifica pela premência em se disciplinar o assunto. Empresas privadas comercializam à vontade dados que recolhem de seus clientes.

Contudo, os apoios têm sido acríticos. Seu texto apresenta omissões, entra em choque com legislação existente, arrisca retrocesso na recém-conquistada regulamentação do acesso à informação e abre espaço para arbitrariedades.

Os problemas começam já nas consequências da definição do que seria dado pessoal. O inciso I do artigo 5º estabelece que é "informação relacionada à pessoa natural identificada ou identificável".

Só há um modo de identificar univocamente pessoas: por meio de números cadastrais, dos quais existem muitos —CPF, identidade (RG), carteira de trabalho, título eleitoral, além daqueles emitidos por autarquias, como os conselhos de fiscalização profissional e outros.

Se a caracterização de "dado pessoal" pressupõe a identificação da pessoa, então decorre que números cadastrais não podem sê-lo.

Apesar disso, há uma crença comum, em particular entre operadores do direito, de que tais números constituiriam informação sigilosa.

Estão errados. Esses números correspondem ao modo como pessoas são identificadas perante a sociedade. Eles são exibidos por todo lado, de talões de cheques a placas de obras e receitas médicas.

São inúmeras as situações que requerem a identificação formal de pessoas, nem sempre havendo previsão legal —sociedades em empresas limitadas, proprietários de imóveis rurais e urbanos, donos de aeronaves, detentores de concessões de rádio e TV, fornecedores do poder público etc. A identificação mais usada é o CPF.

Pois bem, uma vez que há quem imagine que seria possível ser cidadão do país a partir de identificação secreta, a legislação de resguardo dos dados pessoais precisaria explicitar que os números cadastrais não se enquadram nessa categoria. Não o faz.

As consequências da omissão não serão triviais. Informações que, a duras penas, passaram a ser divulgadas devido a iniciativas de transparência ativa, estimuladas por políticas de acesso à informação, deixarão de sê-lo, pretextando-se "defesa da privacidade".

Na União, nos estados, nos municípios, agentes públicos (especialmente políticos) decidirão que os CPFs de pessoas (e outros cadastros) serão eliminados, impossibilitando com isso o escrutínio público.

O receio não é abstrato. Por exemplo, até 2016 a Prefeitura de São Paulo publicava o cadastro dos imóveis do município (hoje são 3,4 milhões) com identificação completa dos proprietários, incluindo-se os CPFs (ou CNPJs).

Em 2017, com a assunção do campeão das classes mais favorecidas, o sr. João Doria, os dados foram truncados: não mais se publicam os CPFs de donos de imóveis (de roldão foram também os CNPJs de pessoas jurídicas e o valor venal dos imóveis).

Caso não se vigie o assunto de perto, a lei de proteção de dados, além de efeitos sem dúvida benéficos, acarretará aumento do obscurantismo.

Claudio Weber Abramo

Ex-diretor da ONG Transparência Brasil e cofundador da dados.org, organização dedicada à coleta, organização e disseminação de informações provenientes do poder público

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