Descrição de chapéu
Luciano Huck

Deus tá vendo?

Nenhum dos candidatos tem agenda digital clara

Luciano Huck veste camisa de manga longa preta. Ao fundo da foto, há um painel branco com o escrito em azul claro
Luciano Huck fala no evento GovTech, em São Paulo - Luís Simione - 6.ago.18/Real Photos/Divulgação

Onde Ele vive exatamente eu não sei, mas estou bem seguro de que o mundo do qual Ele estava acostumado a cuidar está se transformando muito rapidamente. E isso inclui a nuvem, até pouco tempo sua alva, tranquila e espaçosa morada, recentemente tomada por uma enxurrada de dados.

Há poucas semanas, em parceria com o ITS Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro) e Brazil Lab, participei ativamente da organização e curadoria de uma conferência sobre GovTech (tecnologia aplicada à gestão pública).

Nossa ideia foi mover as primeiras pedras para a construção de uma agenda digital para o setor público no Brasil. Reunimos iniciativas e seus protagonistas, de todos os cantos do planeta. Exemplos nos quais a tecnologia tenha ajudado a escalar soluções para o Estado. Estavam presentes figuras e projetos inspiradores da Estônia, Índia, China, Chile, Uruguai, entre outros países.

Estamos a poucos dias de uma das eleições mais importantes da história da nossa República, um momento em que o Brasil está se posicionando cada vez mais atrás em relação ao mundo. Tentar reverter esse atraso é urgente.

A tecnologia pode nos ajudar a encontrar boas ideias e soluções eficazes para muitos dos nossos problemas e, até aqui, não enxergo em nenhum dos candidatos um projeto abrangente, moderno e minimamente claro sobre o tema.

Ao mesmo tempo, ficou evidente para mim a necessidade de uma agenda digital moderna para o Estado. Algo nessa linha foi dito por todos os candidatos presentes ao evento: Guilherme Boulos, Geraldo Alckmin, João Amoêdo, Henrique Meirelles e Marina Silva. Finalmente parece haver uma pauta que não divide, soma.

Creio que esta eleição não será sobre quem o eleitor prefere do ponto de vista ideológico ou filosófico, mas sim sobre que candidato reflete de alguma maneira os sentimentos das pessoas em relação a algo muito concreto que toca suas vidas. Por isso é mais do que necessário compreender claramente, e de modo muito pragmático, o projeto de país que cada um dos postulantes ao cargo maior da República está propondo.

Atendo-me à tecnologia, é curioso observar com algum grau de frustração que, de certa forma, os regimes totalitários tendem a ser muito mais eficientes do que as democracias quando o assunto é informação, haja vista a China, que nas últimas décadas vem tratando desse tema como um ativo estratégico para o desenvolvimento do país.

Considerando que a democracia é algo inegociável, nosso primeiro grande desafio será como ampliar e consolidar os dados sobre a nossa população. Encontrar os melhores meios e caminhos para que, preservando os limites individuais —e ao mesmo tempo gerando informação—, possamos construir, com o advento da inteligência artificial, blockchains, machine learning etc, algo bem mais valioso que o pré-sal, para citar apenas um exemplo antigo de riqueza nacional relevante.

Ao longo da história, os maiores ativos de um país foram se transformando: terras, forças militares, metais preciosos, capacidade de produção, entre outros. Daqui para frente a informação vai superar, se não todos, boa parte deles. E o seu mau uso pode ser mais perigoso que a corrida nuclear. Os traços visíveis do ciberterrorismo já revelam riscos muito maiores que os foguetes de Kim Jong-Un.

Posto isso, volto ao Brasil, volto à nossa eleição majoritária. Quero poder enxergar quem conduzirá o país para o caminho da inovação. Ideias e criatividade são o combustível do progresso; sem elas, cedo ou tarde, uma nação estaciona. E nós não temos mais tempo para ficar no acostamento enquanto o mundo se move de maneira rápida.

Não adianta querer fazer, mas fazer de qualquer jeito. O Brasil vem tentando melhorar nessa área, mas sem um projeto maior e sem um líder que de fato entenda e defenda uma agenda digital positiva e relevante para o setor público. Nessa toada, vamos continuar seguindo por caminhos desconexos, cada um correndo numa direção.

Para se ter uma ideia mais objetiva do problema, o Brasil tem seis diferentes cadastros digitais da sua população. É óbvio que, assim, nenhum deles ganha escala ou relevância. Quem tem seis não tem nenhum. E só o governo federal tem 48 aplicativos oficiais para "ajudar" o cidadão na sua relação com o Estado. Por favor, me diga quem tem um smartphone que carregue tudo isso, e me diga também quem consegue administrar simultaneamente 48 diferentes interfaces com o governo?

Esses dois pequenos exemplos refletem bem como o Brasil tenta avançar nessa agenda: mais uma vez loteando poderes, multiplicando custos e exibindo a nítida falta de um projeto maior. A tecnologia pode, sim, escalar a antítese de tudo isso: desburocratização, eficiência, transparência e por aí afora.

Candidatos, apresentem suas propostas. Uma boa agenda digital para o setor público pode acelerar muitas das soluções de que precisamos. Bons exemplos pelo mundo não faltam. Mesmo que seja à base do copy e paste. Por que não?

Aliás, tudo o que foi debatido no evento que mencionei está disponível gratuitamente para os candidatos e para qualquer cidadão que queira entender o que nos aguarda no futuro, seja uma evolução inteligente e positiva, seja a lanterninha dos rankings modernos de desenvolvimento humano e das nações.

Quanto a Deus, se Ele está ou não vivendo no ciberespaço, não arrisco palpite. Mas espero que esteja olhando por nós. Estamos precisando.

Luciano Huck

Apresentador de TV e empresário

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