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Leo Prates

Carta aberta à futura primeira-dama do Brasil, Michelle Bolsonaro

Pessoas com deficiência estão sob risco ante texto da reforma da Previdência

Debate sobre reforma da Previdência realizado pela Folha, em junho - Reinaldo Canato - 28.jun.18/Folhapress
Leo Prates

Cara Michelle,

As pessoas que acompanham minha trajetória política sabem que a minha principal bandeira desde o ingresso na Câmara Municipal de Salvador, em 2013, é a garantia dos direitos da pessoa com deficiência. Por isso, fiquei muito feliz ao conhecer a sua experiência com o aprendizado da Língua Brasileira de Sinais (Libras) e sua sensibilização em favor das políticas de inclusão; afinal, é reconfortante saber que uma pauta tão importante integra a agenda da primeira-dama do Brasil.

Nós, que trabalhamos em contato com a causa da pessoa com deficiência, sabemos o papel do poder público na vida desse grupo. E mesmo que a nossa função como representantes do Estado seja tornar o país um lugar mais justo para todos, lembro que ser justo nem sempre quer dizer enquadrar todos sob as mesmas regras, já que o indivíduo com deficiência física ou intelectual enfrenta desafios imensamente maiores.

Por conta desse entendimento, hoje lhe escrevo esta carta. Apesar de defender que a população seja amparada pelo Estado de forma igualitária, sinto-me apreensivo em relação à situação da pessoa com deficiência diante da reforma da Previdência (PEC 287/2016), cuja aprovação deverá ser uma ação prioritária no governo do presidente eleito, Jair Bolsonaro.

Minha apreensão não é leviana, pois os aspectos listados no texto original apresentado pelo presidente Michel Temer propunham a anulação da Lei Complementar 142/2013, que instituiu aposentadoria especial para pessoa com deficiência. Um grande passo foi dado, porém, pelo relator da proposta, o deputado Arthur Maia, ao frear prejuízos à legislação atual, removendo pontos como a exigência da idade mínima e preservando o critério do grau de deficiência para concessão do benefício, até que uma lei complementar entre em vigor.

Os esforços empenhados pelo deputado Arthur Maia, contudo, terão sido em vão caso o Congresso decida restaurar as sugestões apresentadas no texto original, pondo em risco as conquistas dessa luta histórica, que beneficiou mais de 6.000 pessoas nos últimos cinco anos. Cito, a seguir, alguns desses riscos.

No texto do governo, foi sugerido que o acesso ao benefício será condicionado ao cumprimento da idade e contribuição mínima, independente do grau de deficiência. Defendo que a recomendação do relator seja preservada e as classificações que determinam períodos distintos de contribuição para os casos de deficiência grave, moderada ou leve sejam mantidas, pois o grau de deficiência, na prática, é um dificultador no acesso ao mercado de trabalho.

Outro retrocesso presente no texto original da PEC é o trecho que obriga a pessoa com deficiência a cumprir idade mínima de 55 anos para requerer a aposentadoria. Na proposta da relatoria, as normas atuais serão preservadas, permitindo que trabalhador com deficiência tenha a opção de se aposentar com um tempo mínimo de contribuição.

Também me assusta a sugestão do presidente Temer que busca reduzir o valor do benefício por idade, já que a atual legislação garante que a pessoa com deficiência que solicita aposentadoria deve cumprir a idade mínima (60, homem e 55, mulher) e contribuição mínima (15 anos), garantindo 85% do benefício. Na reforma, os critérios estabelecem a idade mínima de 55 anos e elevam para 20 anos de contribuição mínima, reduzindo o valor do benefício para 71% do total.

Ainda entre os pontos removidos pelo relator está a alteração prejudicial da LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social – 8.742/93), que prevê concessão do benefício de prestação continuada (BPC) à pessoa com deficiência que comprove não ter meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, no valor de um salário mínimo.

O texto original da PEC reduz o benefício, incumbindo à lei dispor sobre o “grau da deficiência” para acesso. Isso poderá reduzir a assistência para valores inferiores ao salário mínimo. Claramente outra grande perda.

Ao reconhecer as dificuldades desse grupo que já nasce lutando contra as adversidades de uma sociedade ainda tão pouco inclusiva, precisamos reafirmar a importância dessas conquistas que podem ser extintas caso os pontos citados do texto original da PEC 287/2016 sejam restaurados, aprovados e sancionados pelo presidente.

Por isso, Michelle, faço da minha a voz de entidades e membros da sociedade civil que defendem essa bandeira, pedindo o seu apoio na garantia dos direitos da pessoa com deficiência ante a reforma da Previdência. Diariamente temos a oportunidade de transformar o mundo em um lugar melhor e mais justo para quem mais precisa, e te convido a se juntar a nós nessa nobre missão.

Leo Prates

Presidente da Câmara Municipal de Salvador, deputado estadual eleito (DEM) e sócio honorário do Instituto de Organização Neurológico da Bahia (ION)

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