Descrição de chapéu

CPIs da lama

Investigação parlamentar fará bem à sociedade, mas cabe perguntar se não há aí algo de prematuro

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Sala da Vale após o rompimento de barragem em Brumadinho, Minas Gerais
Sala da Vale após o rompimento de barragem em Brumadinho, Minas Gerais - Douglas Magno/AFP

Na Constituição, o artigo 58 prescreve às comissões parlamentares de inquérito (CPIs) poderes de investigação próprios de autoridades judiciais —com a diferença de seus membros reunirem-se sob os olhares da opinião pública, como é próprio de um Parlamento.

Parece natural, assim, que surja uma CPI para escrutinar a catástrofe de Brumadinho (MG), que vitimou pelo menos 165 pessoas. Investigações policiais se revestem de algum sigilo, exigível também em alguns processos; numa tragédia dessa magnitude, e com tantos interesses envolvidos, convém que haja maior publicidade.

Não se deve esquecer que esse não foi o primeiro desastre pelo rompimento de uma barragem de mineração, mas a reedição escabrosa da incúria que já matara 19 em Mariana (MG) há três anos. Fará bem à sociedade ver esmiuçadas as responsabilidades da empresa Vale e das autoridades que não agiram para mantê-la na linha.

Dito isso, há que ponderar alguns requisitos para que a investigação parlamentar não degenere em circo político-midiático, com holofotes a produzir mais calor que luz. De pronto se impõe uma interrogação sobre a necessidade de se criarem logo duas CPIs, uma no Senado e outra na Câmara.

A duplicação de esforços sugere que parlamentares de uma e de outra Casa preferem contar com palcos separados, nos quais uma quantidade maior de representantes possa exibir sua indignação, não raro movida mais por objetivos eleitorais que pelo ânimo de buscar melhora institucional.

Cabe ainda perguntar se não há aí algo de prematuro. Talvez se mostrasse mais produtivo aguardar algum avanço das perícias e diligências técnicas e policiais, de modo a evitar que os integrantes das CPIs enveredem por debates e interrogatórios supérfluos, quando não ignorantes de informações especializadas imprescindíveis.

Mesmo supondo que as comissões não venham a perder muito tempo na mera compreensão dos detalhes do ocorrido, emergem do pântano político sinais de que o espetáculo preponderará sobre o aprofundamento da etiologia e da profilaxia de catástrofes.

Uma deputada novata disputa a presidência da CPI da Câmara com representantes de Minas Gerais, cujos gabinetes estão abertos para interesses minerários e compõem o que já se chamou, justa ou injustamente, de bancada da lama.

Os mortos de Brumadinho e seus familiares merecem mais do que uma pantomima de investigação, como se observou em tantas CPIs do passado. Nesta eventualidade, duas comissões seriam tão proveitosas quanto nenhuma.

editoriais@grupofolha.com.br

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