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Propriedade e vida

Presidente Jair Bolsonaro flerta com o estímulo à intolerância e à violência

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O presidente Jair Bolsonaro durante conversa com jornalistas em Brasília, no fim de abril
O presidente Jair Bolsonaro durante conversa com jornalistas em Brasília, no fim de abril - Adriano Machado/Reuters

Quando palpita de modo irrefletido sobre medidas de governo, Jair Bolsonaro (PSL) por vezes cria atritos políticos ou derruba a Bolsa de Valores, em geral recuando posteriormente das declarações desastradas. Em seus piores momentos, flerta com o estímulo à intolerância e à violência.

Neste caso se enquadra a recente manifestação acerca de conflitos agrários. Para agradar a uma plateia de ruralistas, em Ribeirão Preto (SP), o presidente afirmou que pretende enviar ao Congresso um projeto destinado a isentar de punição proprietários que atirarem em invasores de suas terras.

“É uma maneira que nós temos de ajudar a combater a violência no campo”, disse —a sério. “Para que o outro lado, que desrespeita a lei, tema vocês, tema o cidadão de bem, e não o contrário.”

Por mais que sejam notórios os métodos truculentos de movimentos de sem-terra, essa espécie de salvo-conduto implica óbvios problemas legais, para nem discutir suas consequências práticas.

Hoje, as condições de exclusão de ilicitude, previstas pelo artigo 23 do Código Penal, são legítima defesa, estado de necessidade e estrito cumprimento do dever legal. Alargar a definição da maneira sugerida pelo presidente significaria, como apontam especialistas, equiparar os direitos à propriedade e à vida, ferindo a Constituição. 

A invasão de um terreno, ademais, é conceito elástico, que compreende desde o assalto criminoso até o apanhar de um fruto em árvore alheia, passando pelo protesto por melhor distribuição de terra. Não parece difícil imaginar o potencial de violência extra no campo com a orientação presidencial.

Levantamento da Comissão Pastoral da Terra aponta que, entre 1985 e 2018, houve 1.466 episódios de assassinatos relacionados a questões fundiárias no país, com 1.938 mortos. Trata-se de situação em que a impunidade grassa. Só 8% (117) dos casos registrados no período foram levados a julgamento.

O ministro Sergio Moro, da Justiça, tratou o anúncio de Bolsonaro como apenas uma ideia incipiente. “Antes de ter no papel exatamente o que vai se propor, quais são os limites do que vai se propor e tal, é muito prematura essa discussão”, disse à rádio Jovem Pan.

Na pior hipótese, o presidente está a encomendar projetos sem consulta às áreas técnica e jurídica. Na melhor, o ministro pode ter dado a senha para o arquivamento de mais um palpite infeliz.

editoriais@grupofolha.com.br

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