A ideia é daquelas tão infelizes que não se apresentam abertamente: como reportou esta Folha, deputados pressionam o relator da reforma da Previdência, nos bastidores, a afrouxar as regras para o recebimento dos próprios benefícios.
O projeto em tramitação na Câmara estipula que os futuros parlamentares ingressarão no regime geral, válido para os trabalhadores da iniciativa privada, com aposentadoria limitada ao teto de R$ 5.839,45 mensais, corrigido a cada ano. Felizmente, não se pretende mexer —por ora, ao menos— nesse dispositivo salutar.
O que está na berlinda é a regra de transição para os congressistas no exercício do mandato, com direito a aposentadoria especial. Grande parte deles considera sacrifício exagerado aguardar até os 65 anos, se homem, ou 62, se mulher, e elevar seu tempo de contribuição restante em 30%, como prevê a proposta de emenda constitucional.
Atualmente, o Plano de Seguridade Social dos Congressistas (PSCC) permite a aposentadoria com o mínimo de 60 anos de idade e 35 de contribuição à Previdência, no valor equivalente a 1/35 do salário para cada ano de mandato.
Em outras palavras, quem permanece por tempo suficiente no Parlamento consegue o vencimento integral de R$ 33.763 mensais.
Deveria ser desnecessário observar que se trata de valor inimaginável para a imensa maioria dos segurados do país. Entretanto os privilégios brasilienses costumam nublar a percepção da realidade por parte de seus beneficiários.
Os parlamentares, ao que parece, miram-se no exemplo do lobby dos funcionários que ingressaram no serviço público antes de 2003 e, portanto, ainda têm direito a aposentadoria equivalente ao último salário e corrigida conforme os vencimentos da ativa.
Esse contingente conseguiu incluir no texto da reforma uma regra de transição bem mais camarada: em vez da idade mínima de 65/62 anos, as benesses descabidas poderão ser obtidas aos 60/57, desde que se duplique o tempo de contribuição restante.
Para salvar as aparências, estendeu-se a vantagem aos trabalhadores da iniciativa privada —e toda a manobra provocou um ataque público do ministro Paulo Guedes, da Economia, aos deputados.
É pouco realista supor que o texto possa avançar sem concessões, ainda mais diante da escassa capacidade de mobilização do governo. Se os parlamentares insistirem em mais uma demonstração de mesquinharia e mediocridade, que ao menos fechem as brechas para aposentadorias especiais no futuro.
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