A crise dos refugiados venezuelanos anda sumida da mídia, um reflexo da diminuição das tensões na fronteira. Mas a sociedade brasileira e as autoridades federais não devem se deixar enganar: longe das manchetes, a onda migratória persiste.
Em média, 500 venezuelanos entram diariamente no país. Eles já são 254.769, segundo os dados mais recentes da Operação Acolhida, conduzida pelas Forças Armadas e por agências das Nações Unidas.
Ainda estamos aprendendo a lidar com uma crise humanitária sem precedentes em nossa história. Os refugiados precisam de apoio permanente. Cerca de 6.500 vivem nos 11 abrigos de Boa Vista e nos 2 de Pacaraima, em Roraima. Integrá-los não é tarefa trivial, considerando-se que os serviços públicos são insuficientes e o desemprego alcança mais de 12% da população economicamente ativa.
Mas é necessário ter espírito solidário. No centro da crise, Boa Vista está no limite de sua contribuição. A capital é hoje o destino definitivo de 40% desses venezuelanos. Nos últimos três anos, a cidade de 375 mil habitantes ganhou, subitamente, outros 50 mil moradores. Boa Vista tem o menor orçamento entre as capitais do país. A economia local quase não gera empregos, a ajuda federal é pequena e os recursos emergenciais para a crise dos refugiados são dirigidos exclusivamente à população dos abrigos.
Quem adoece num abrigo é encaminhado a uma Unidade Básica de Saúde, e ali é tratado com recursos da prefeitura. Fizemos 132.992 atendimentos a venezuelanos no primeiro semestre, 24% dos serviços das UBSs. Essa demanda desequilibrou a rede de saúde do município, abalada também pela perda de profissionais do programa Mais Médicos.
A pressão é grande sobre todos os serviços. O Unicef calcula que 9.600 crianças refugiadas estejam em situação vulnerável --e grande parte recorre ao sistema de assistência de Boa Vista. Nas escolas municipais, mais de 10% dos 41.819 alunos são venezuelanos.
De acordo com a legislação, os refugiados são recebidos como cidadãos brasileiros, com os mesmos direitos e responsabilidades. Boa Vista tem respondido com espírito cosmopolita. Nosso desafio será levado a debate na Itália, ainda neste mês, no fórum da Moving Minds Alliance, que reúne as fundações Open Society, Bernard Van Leer, Lego, MacArthur, Jacobs, Vitol, Comic Relief, ELMA Philanthropies e Porticus. Essa aliança busca desenvolver soluções para a proteção e o apoio a 22 milhões de crianças e 5 milhões de gestantes no mundo, com prioridade para crises como a da Síria.
Esperamos que o mesmo interesse sobre a situação dramática de Boa Vista seja despertado no Brasil. Mesmo uma gestão séria e comprometida, com servidores engajados, precisa de apoio ante uma crise humanitária. Não pedimos recursos adicionais. Já seriam de grande valia o envio de médicos, um processo mais rápido de interiorização de refugiados em outros estados e um atendimento mais eficiente, pelas autoridades federais, das demandas regulares de Boa Vista.
O Brasil não pode fechar os olhos e fingir que essa crise não existe mais só porque o assunto já deixou de render manchetes.
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