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Alberto Zacharias Toron

Acender a luz

Livro de Rodrigo Janot expõe atos falhos e omissões

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Com a sua conhecida elegância, o jornalista Elio Gaspari afirmou nesta Folha que o livro de Rodrigo Janot “deseduca, desinforma e ofende o vernáculo”. É verdade.

O livro surpreende. E não me refiro a revelações, no mínimo inusitadas, como a de que lia relatórios policiais, inquéritos e processos de trás para frente, invertendo a esperada lógica de se conhecer os fatos.

O livro fala mais pelas suas omissões e atos falhos do que pelo que revela, entre constrangedores autoelogios pessoais: “Eu só não diria que éramos mais populares que Jesus Cristo porque não quero cometer o mesmo erro de um dos Beatles...”

O advogado e professor de processo penal Alberto Zacharias Toron - Zanone Fraissat - 25.nov.19/Folhapress

A conveniente seletividade da memória e a contínua negação de fatos concretos completam a obra. O ex-procurador-geral se autoelogia por ter pedido a prisão de líderes do antigo PMDB em iniciativa de grande impacto nacional. Mas omite que ele mesmo voltou atrás pedindo arquivamento da ação que havia apresentado, reconhecendo que não havia base para a sua proposição.

Diz que o Ministério Público Federal não participou da gravação feita por Bernardo Cerveró quando o próprio pai dele, Nestor Cerveró, já informou, em testemunho tornado público, que a gravação foi orientada por procurador. Acredita nas palavras de delatores quando lhe convém, mas as considerava “imaginativas“ quando não era o caso.

Insiste em afirmar que Marcelo Miller estava de férias contínuas no período de 23 de fevereiro a 4 de abril, quando hoje se sabe que não é verdade, e não explica o porquê. Contrariando o histórico de suas ações na PGR, não recorreu da decisão que negou o pedido de prisão do ex-procurador. 

No entanto, são outras passagens que, pela sua gravidade, merecem maior atenção. O ex-PGR revela, por exemplo, trocas de informações com a Suíça e o Panamá, antes que estas fossem formalizadas. Imaginar que uma das maiores autoridades do país possa ter agido fora dos canais oficiais é desconcertante.
Em outro trecho, o livro traz o que todo mundo já sabia: vazamentos selecionados eram estimulados.

Assim, profissionais da imprensa que julgavam estar exercendo o seu ofício de informar a população estavam, na verdade, sendo usados por investigadores que escolhiam previamente, de acordo com sua conveniência, não apenas o que e quando vazar, mas, sobretudo, a narrativa que deveria embalar esses vazamentos, sustentados, muitas vezes, apenas nas palavras das fontes.

Já para quem acompanha de perto os bastidores da delação da J&F, um registro traz à tona a peça que faltava para demonstrar como procedimentos legais foram manipulados.

Graças a ele, sabe-se agora que foi o ex-PGR quem levou pessoalmente as gravações de Michel Temer e Aécio Neves ao ministro Edson Fachin antes do dia 7 de abril, data simulada pela PGR como de recebimento destas em documentos oficiais.

Para fazer com que as cautelares referentes ao deputado Aécio Neves fossem relatadas por Fachin, de sua escolha pessoal, o ex-PGR não hesitou sequer em induzir o ministro a erro, forjando uma prevenção inexistente das cautelares envolvendo o deputado, com casos anteriores sob os cuidados do ministro.

A manobra do ex-procurador-geral impediu que essas cautelares, como previsto, tivessem entrada sigilosa formal no tribunal e fossem encaminhadas, via sorteio, a um ministro relator, violando o regimento interno, a resolução 579 do Supremo e o princípio do juiz natural.

Apenas 50 dias depois das graves medidas solicitadas pelo ex-PGR terem sido decretadas pelo ministro Fachin, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que não existia a prevenção alegada, e o procedimento foi encaminhado para sorteio interno.

Manipulação do sistema judicial, negociações extraoficiais, vazamentos orientados. Some-se a isso informações recentes que demonstram a atuação pessoal do ex-procurador para impedir julgamento de habeas corpus, mantendo presos possíveis delatores com o objetivo de aumentar a pressão por delações.

O livro do ex-PGR não merece ser relegado à indiferença. Embora “deseduque, desinforme e ofenda o vernáculo”, é também fresta aberta para que se possa começar a acender a luz sobre essa triste quadra do Estado de Direito no país.

Alberto Zacharias Toron

Advogado e doutor em direito penal pela USP, é professor de processo penal da Faap e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM)

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