Descrição de chapéu
Mário Luiz Sarrubbo

Lei anticrime: mudou para ficar igual

Criminosos de colarinho branco podem comemorar

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O novo governo assumiu sob a bandeira do combate à corrupção e com a missão de fazer as mudanças necessárias para eliminar de vez essa grande trava ao desenvolvimento. No entanto, já estamos nos primeiros dias de 2020 com uma sensação que pode ser descrita parafraseando “O Leopardo”, do escritor italiano Tomasi di Lampedusa: houve mudanças, mas apenas para que tudo continuasse igual.

Rebatizado de UIF (Unidade de Inteligência Financeira), o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), que analisa movimentações de dinheiro suspeitas e é um instrumento importante no combate aos crimes de colarinho branco, ficou sob o guarda-chuva do Banco Central —e isso enfraquece a política para enfrentá-los. Pois, no apagar das luzes de 2019, no dia de Natal, foi sancionado o projeto anticrime (lei 13.964). A nova legislação, se traz algum avanço ao combate à criminalidade de rua, carrega consigo, no entanto, importantes retrocessos na repressão à corrupção

O subprocurador-geral do Ministério Público de São Paulo, Mário Luiz Sarrubo - Mathilde Missioneiro - 16.dez.19/Folhapress

Há conquistas, como o tratamento penal e processual a crimes violentos que resultam em morte, o acordo de não persecução penal e civil e o fortalecimento do sistema acusatório e do Ministério Público (que passa a ter o controle dos arquivamentos de inquéritos policiais). Outras são a vedação ao curso da prescrição nos tribunais superiores e as limitações impostas à execução penal. Todas essas mudanças, e a lista não é exaustiva, são muito bem-vindas e atendem ao objetivo de tornar mais eficaz o combate à impunidade. 

Os criminosos de colarinho branco, contudo, ao que parece, podem comemorar a sanção da nova lei. A colaboração premiada, instrumento fundamental para se alcançar a punição de crimes como corrupção e lavagem de dinheiro, foi fortemente atingida. A regra engessa a negociação da colaboração, ao proibir as negociações de regime prisional e de sua progressão. Isso deverá acarretar uma redução de seu uso. 

A exigência de que já no início do processo se pleiteie o confisco alongado de bens também inviabiliza esse instrumento de apreensão de patrimônio incompatível com a renda. Afinal, nesse momento, em regra, não se tem ainda conhecimento da quantia que foi desviada.

O juiz das garantias, que poderia ser um avanço no sistema de Justiça brasileiro, foi criado de modo açodado, para ser implantado em 30 dias. Detalhe: para 40% das comarcas brasileiras existe apenas um juiz de direito em cada. A nova figura jurídica impõe custos extraordinários e torna mais lento o acesso a um dos mais importantes pilares do Estado democrático de Direito: a Justiça. 

Faltou, como sempre, um debate mais amplo com a sociedade e com os principais atores do sistema. Desperdiçou-se a oportunidade para uma reforma mais profunda no sistema processual penal, que conferisse maiores celeridade e capilaridade à Justiça Penal. 

Ainda que a frase de Lampedusa, mesmo tendo sido escrita há mais de 60 anos, pareça cada vez mais uma descrição adequada do que se vê na política e na Justiça neste início de século 21, ao Ministério Público incumbe, não obstante todas as dificuldades, seguir engajado no enfrentamento à criminalidade. Está é a sua principal bandeira e a sua missão constitucional.

Mário Luiz Sarrubbo

Procurador-geral de Justiça do Ministério Público de São Paulo

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