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Censura envergonhada

Obscurantismo autoritário se revela em investidas contra livros em SP e RO

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O governador de São Paulo, João Doria - Zanone Fraissat/Folhapress

Os estados de São Paulo e Rondônia se somam à vanguarda do atraso ao censurar, nos últimos dias, livros de autores consagrados da literatura nacional e internacional.

Cidades como Rio de Janeiro e Porto Alegre já marcharam ao obscurantismo no ano passado, com a censura a uma publicação em quadrinhos na Bienal do Livro carioca, a mando do prefeito, e a retirada de charges políticas na Câmara Municipal da capital gaúcha, por ordem da presidente da Casa.

Apesar de medidas semelhantes terem sido derrubadas, felizmente, pela Justiça, os governos paulista e rondonense insistiram em testar os limites da democracia no país. Flertaram com práticas que remontam ao passado de censura ditatorial, cuja volta nossa Constituição veementemente proíbe.

Contrasta com gesto de tamanha envergadura autoritária a aparente vergonha demonstrada pelos dois Executivos estaduais, como se fossem um aluno pego ao trapacear numa prova do colégio.

Em 6 de fevereiro, a Secretaria de Educação de Rondônia distribuiu uma relação de livros a serem recolhidos das escolas por conter “conteúdos inadequados” para crianças e adolescentes.

Entre eles estavam clássicos como “Macunaíma”, de Mário de Andrade, e “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis. Questionado, o governo, de início, disse que se tratava de fake news. Depois, recuou da medida.

Já a administração João Doria (PSDB-SP) vetou uma lista de obras de um projeto de leitura para presos no estado. Entre eles, trabalhos de autores como o colombiano Gabriel García Márquez, o franco-argelino Albert Camus e a norte-americana Harper Lee. 

Em São Paulo, o vaivém de justificativas para a censura remonta a Kafka. Primeiro, o governo afirmou que não fazia juízo de valor sobre os livros escolhidos e que tampouco os tivesse censurado.

Além de a justificativa contrariar a realidade, as razões apresentadas pelo órgão responsável —a Funap, encarregada de ações sociais para presidiários— são obscuras: um dos títulos (não especificado) “não atende ao que se espera para a população atendida”.

Nos dois casos, evidencia-se o perigo para a livre circulação de ideias quando burocratas se sentem investidos do poder de decidir o que pode ser lido pela população.

Tal ímpeto se associa ao obscurantismo de parte considerável dos mandatários. Ironicamente, quanto mais se queimam os livros, mais fortes e necessários eles se tornam.

editoriais@grupofolha.com.br

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