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Pagar pela guerra

Gasto público deve subir com critério; depois, conta deve poupar os mais pobres

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Fila em agência da Caixa Econômica Federal, na cidade de São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress

Como se observa em todo o mundo, as imperativas restrições à movimentação de pessoas para conter a Covid-19 provocam impacto econômico dramático. A retração da atividade e as perdas de renda e empregos podem ter dimensões raramente vistas por um século.

Não são descabidas estimativas que apontam contrações de até 10% do Produto Interno Bruto de muitos países, inclusive entre os desenvolvidos. O custo social dessa pane é tremendo e exige ação imediata dos governos para evitar que famílias mergulhem na pobreza.

No Brasil não é diferente. A coletânea de medidas anunciadas até agora pelo poder público, apesar da coordenação deficiente do Executivo federal, segue a direção correta.

O pagamento de R$ 600 mensais por um trimestre a trabalhadores de baixa renda, regras que permitem flexibilizar temporariamente contratos de trabalho mediante compensação com dinheiro público, prazo maior para o pagamento de impostos e outras iniciativas contribuem para minorar o efeito do inevitável declínio da economia.

Tudo isso custará ao menos o equivalente a 5% do PIB, entre aumento de gastos e queda de receitas. Embora parte da arrecadação adiada vá retornar adiante, a debilidade da economia deverá prolongar o período de recuperação.

Nesse contexto, a dívida pública subirá bruscamente, interrompendo a tendência de desaceleração que começava a ser observada após cinco anos de restrições orçamentárias. Ainda é cedo para projeções seguras, mas a proporção entre a dívida e o PIB pode saltar de 76%, apurados em março, para algo entre 85% e 90%.

O preço do combate à pandemia e suas consequências será elevado, portanto, e o país precisa pensar desde logo como vai se preparar para pagá-lo. A história demonstra que endividamento governamental em ascensão descontrolada expõe o país a mais riscos de desorganização econômica.

Ao mesmo tempo, a crise do coronavírus comprova de forma cabal a importância de um Estado ágil e funcional na proteção das pessoas. Ninguém desconhece a deficiência do poder público brasileiro em suas atividades-fim, como educação, saúde e segurança, apesar da alta carga tributária.

Pagar a conta da guerra ao vírus e, ao mesmo tempo, melhorar serviços essenciais num cenário de penúria orçamentária pode parecer um problema insolúvel.

Enfrentá-lo depende de decisões corretas que precisam ser tomadas já. O primeiro passo consiste em distinguir claramente os gastos necessários para lidar com a emergência, na saúde e na economia, dos desembolsos normais.

Nesse sentido, é boa a ideia de uma espécie de Orçamento de guerra, com verbas e governança diferenciadas enquanto durar a calamidade pública. Não se pode permitir agora a criação de compromissos permanentes.

Um fator positivo, hoje, é o patamar historicamente baixo dos juros, que permite ao governo rolar sua dívida a custos menores. Logo, mostra-se essencial garantir que essa condição permaneça.

Para tanto, deve-se preservar o teto de gastos federais inscrito na Constituição, cujos limites devem voltar a ser obedecidos após a superação da crise do coronavírus. Assim haverá um horizonte para o controle do endividamento.

A agenda de reformas econômicas desenhada antes da pandemia —administrativa e tributária em especial— não deixará de ser essencial para que o Estado se mantenha solvente e o país recobre capacidade de crescimento. Entretanto haverá necessidade de medidas de efeito mais imediato.

Após a recessão que ora se afigura inescapável, será preciso fazer mais para reequilibrar as receitas e despesas públicas. A diretriz essencial nesse esforço deve ser evitar que o ajuste recaia sobre os estratos carentes da população.

Uma providência fundamental, já por muito tempo adiada, é rever subsídios e benefícios tributários, que hoje somam exorbitantes 4% do PIB e incluem favorecimentos descabidos. Fazer chegar aos cofres públicos uma fração disso já seria um auxílio importante.

Também há espaço para tornar o Imposto de Renda mais progressivo, com elevação da alíquota máxima incidente sobre as pessoas físicas —a brasileira, de 27,5%, é baixa para padrões internacionais— e tributação de dividendos, fazendo-se o ajuste adequado na taxação dos lucros das empresas.

Não se trata aqui necessariamente de elevar a carga tributária, mas sobretudo de torná-la mais justa. Com o mesmo objetivo de promover correta distribuição de encargos, privilégios de corporações estatais devem ser eliminados com a regulamentação do teto salarial do serviço público, há anos em debate.

Será necessário acelerar as privatizações, mediante autorização do Congresso para uma venda mais ampla de empresas, em vez de autorizações caso a caso. O objetivo principal deve ser a eficiência econômica, mas também as receitas serão mais que bem-vindas.

O Brasil que ainda não se recuperou da última recessão sairá empobrecido desta crise. O sentido de urgência quanto ao que precisa ser feito tem de estar presente tanto agora quanto depois.

editoriais@grupofolha.com.br

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