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Claudio Lottenberg

Para mudar o paradigma na saúde pública

Mais eficientes, parcerias público-privadas podem ajudar a desafogar o SUS

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Claudio Lottenberg

Doutor em oftalmologia (Unifesp), é presidente institucional do Instituto Coalizão Saúde e do conselho do Hospital Albert Einstein

A pandemia do novo coronavírus está demonstrando a importância do SUS (Sistema Único de Saúde), em que pesem suas conhecidas insuficiências. Sem um serviço abrangente e universal, a tragédia poderia estar sendo ainda maior.

A preservação da saúde de quatro em cada cinco brasileiros depende exclusivamente do sistema público de financiamento e de suas bases de atendimento. Defender um atendimento de qualidade com segurança para todos, portanto, é uma obrigação moral do Estado, dos profissionais da área e dos cidadãos em geral.

O médico oftalmologista Claudio Lottenberg, presidente do Hospital israelita Albert Einstein, em São Paulo - Greg Salibian - 4.nov.19/Folhapress

Há mais do que uma maneira, no entanto, de se democratizar o atendimento médico dentro do que chamamos de equidade, princípio que deu base à saúde na Constituição como direito social. As parcerias público-privadas (PPPs), por exemplo, que teriam um papel relevante a desempenhar, estão sendo subestimadas pelos governantes e por parte da sociedade fruto de uma visão rasa e pouco consistente.

Vale lembrar o que são as PPPs. São contratos administrativos de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa, previstos em lei desde 2004. O nome é autoexplicativo: trata-se de parcerias firmadas entre os setores público e privado, nos quais este, mediante pagamento, presta determinado serviço àquele e, portanto, com interesses convergentes.

O sistema busca atender a demandas dos cidadãos em várias frentes. Um levantamento recente, realizado pela consultoria Radar PPP, mostra que há no Brasil mais de 2.600 iniciativas dessa modalidade nas áreas de iluminação pública, estradas, mobilidade urbana, sistema funerário, aeroportos, habitação, meio ambiente e saúde, entre outras.

Na área de saúde contam-se apenas 70 iniciativas, menos de 3% do total. Dessas, só 11 resultaram em contratos assinados. Embora o número seja baixo, o resultado dos projetos é expressivo. Na Bahia, por exemplo, o Hospital do Subúrbio, de Salvador, conquistou um prêmio da ONU em 2015, e o Instituto Couto Maia se tornou neste ano um centro de excelência reconhecida em pesquisas relacionadas à Covid-19. ​E o que dizer ainda do Hospital do M’Boi Mirim, que foi o maior “hospital Covid” da América Latina, com desempenho superior ao de seus pares de contratação direta em São Paulo?

As PPPs de saúde, ao contrário do sistema financiado exclusivamente pelo setor público, não oneram ainda mais o cidadão, que já contribui com o recolhimento de impostos. Tais parcerias visam aumentar a equidade de atendimento.

A Constituição de 1988 prevê a participação do setor privado no SUS, tanto que temos o sistema suplementar de saúde. Mais da metade dos leitos utilizados pelo SUS é da rede privada. Ainda assim, as carências são evidentes. Todos sabemos quais são as reais condições do sistema público de saúde.

A situação precária de hospitais em todos os pontos do país parece não ter a devida atenção dos governantes. A fila de espera do SUS para marcar consultas chega a seis meses. No final de 2017, um levantamento realizado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) identificou que, naquele ano, havia 904 mil cirurgias eletivas (não urgentes) na lista de espera de cirurgias do SUS.

As PPPs podem ser uma resposta a essa situação. Elas não representam um investimento adicional para a sociedade. A despesa é a mesma, a maneira de empenhar os recursos é que é diferente. Não apenas diferente, mas muito mais eficiente.

A pandemia mostrou que o Brasil precisa desafogar o SUS, até para que o sistema tenha mais condições de cumprir seu papel social. Um caminho auspicioso, mas ainda pouco explorado, é o das PPPs de saúde. Aliás, não perceber isso significa desconhecer os efeitos da terceira e da quarta onda desta pandemia, que exigirão ainda mais de nossa rede assistencial, hoje insuficiente.

É fundamental termos uma carteira de bons projetos para garantir a viabilidade das iniciativas. Sem isso, não há como mudar o paradigma do serviço de saúde pública no Brasil. E o preço é o de postergar ainda mais as mais de 4.000 iniciativas de saúde que hoje estão paradas também por absoluta falta de recursos de investimento.

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