A política esteve na berlinda no primeiro dia da CPI da Covid. Acossado, o governismo deu mostra de que pretende estigmatizar a comissão instalada pelo Senado como mero palanque parlamentar. Saiu derrotado na batalha inicial, mas o argumento tem seu apelo.
“Aquele parlamentar que estiver nesta CPI e quiser subir nos caixões dos quase 400 mil mortos para fazer política rasteira e barata, para atacar o presidente Bolsonaro, o governo federal, antecipar o palco de 2022, esse a população vai saber identificar, avaliar e julgar”, discursou o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).
Deixando-se de lado a súbita e mais que duvidosa preocupação do filho do presidente com as vítimas brasileiras da pandemia, trata-se de ofensiva de impacto perceptível entre os designados para a cúpula da comissão de inquérito.
Não foi por acaso, decerto, que tanto o presidente do colegiado, Omar Aziz (PSD-AM), como o relator, Renan Calheiros (MDB-AL), repetiram com insistência que não haverá politização dos trabalhos.
Jair Bolsonaro, outrora apenas uma esquisitice na Câmara dos Deputados, chegou ao Palácio do Planalto graças a uma desilusão geral com a política, na esteira dos protestos populares de 2013, do impeachment de Dilma Rousseff (PT) e das revelações da Lava Jato.
Seu discurso antissistema farsesco, embora já bastante desmoralizado, ainda encontra eco em parcela considerável do eleitorado —a aprovação ao governo marcava 30% em março, segundo o Datafolha.
Se ainda tem força nas ruas, Bolsonaro é uma negação na arena brasiliense. Fracassou, previsivelmente, a canhestra tentativa de impedir que Calheiros assumisse a relatoria da CPI por meio de uma decisão judicial; o candidato governista à presidência do colegiado perdeu por 8 votos a 3.
É fato que comissões parlamentares de inquérito pecam costumeiramente por politização excessiva e contraproducente. Cabe repetir, entretanto, que a investigação dos desmandos na gestão da pandemia contará com rara fartura de casos graves e evidentes a explorar.
A estratégia do confronto se mostra arriscada para um presidente que dispõe de sustentação partidária volátil. O centrão vive a elevar o preço por seu apoio, que dificilmente ficará incólume em caso de piora dos humores populares.
O poder do cargo, da caneta e do Orçamento não bastou para evitar a instalação da CPI. A oportunidade de fazer a melhor política —à base de diálogo, convencimento e negociação— já foi perdida por Bolsonaro há muito tempo.
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