Em épocas de aperto orçamentário, governos seguram despesas para equilibrar as contas. Nada de novo aí. Espera-se, porém, que o poder público aja com coerência.
Conter gastos na área social, por exemplo, pode agravar a desigualdade e deixar ao relento os contingentes mais desassistidos do país.
Este parece ser o caso com a surpreendente redução no número de beneficiários do BPC (Benefício de Prestação Continuada).
Criado em 1996, o BPC ajuda com um salário mínimo (R$ 998, hoje) os deficientes e idosos mais pobres. Para se fazer jus ao benefício, a renda per capita familiar deve ser inferior a R$ 400.
Nos nove meses iniciais do governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL), houve redução de cerca de 26 mil nomes no cadastro de idosos que recebem o auxílio. Eram 2,049 milhões de pessoas em 2018, número que caiu para 2,023 milhões em setembro —um retrocesso inédito na história do BPC.
O Ministério da Cidadania, comandado pelo deputado federal Osmar Terra (MDB), ofereceu explicação implausível para o recuo no cadastro: seria resultado de esforço para identificar irregularidades na concessão do auxílio. Ocorre que só 5.600 benefícios para idosos terminaram cancelados, muito menos que a cifra da redução.
A cada mês, aproximadamente 22 mil idosos requisitam o BPC. Tudo indica que o gargalo se dá na análise desses pedidos, originando uma fila de espera que já conta mais de 152 mil solicitações.
Para muitas dessas pessoas, receber ou não o BPC pode representar a diferença entre alimentar-se adequadamente ou não, tomar os remédios necessários ou não. Não são despesas que se possam adiar.
O orçamento do BPC para idosos em 2020 é de R$ 26,2 bilhões, acréscimo de apenas 1,5% em relação a 2019 —índice menor que o da inflação. Por outro lado, Bolsonaro assinou há duas semanas medida provisória que garante pagamento de um 13º para os beneficiários de outro programa, o Bolsa Família.
O governo federal alega que o orçamento da pasta comporta a medida porque suspendeu o reajuste da bolsa, ou melhor, substituiu-o pelo 13º. Neste caso, 1/12 do benefício anual corresponde a um acréscimo de mais de 8%, num ano em que a taxa de inflação caminha para ser menor que 4%.
Não é muito coerente ampliar um benefício —tão criticado no passado por Bolsonaro— e restringir o acesso de idosos a outro.
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