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Luís Massonetto e João Melhado

Mais dados para morar melhor

Falta de informações confiáveis sobre imóveis dificulta acesso à habitação

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Luís Massonetto

Advogado, é professor doutor de direito econômico na USP

João Melhado

Diretor de políticas públicas da Loft

Ao comprar ou vender um carro, uma das primeiras tarefas é buscar o valor indicado na famosa Tabela Fipe. Dispondo da marca, modelo e o ano do automóvel, rapidamente se consegue o valor médio do veículo. Ninguém foge muito do preço indicado, a menos que exista algo anormal (por exemplo, uma quilometragem muito alta).

No mercado imobiliário, por outro lado, é comum encontrar anúncios com preços muito acima do valor de mercado. Em alguns bairros da cidade de São Paulo, a diferença média ultrapassa 35%.

Prédios em construção dividem espaço com imóveis antigos no bairro do Cambuci, região central de São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress - Folhapress

A explicação está na falta de dados confiáveis. Sem ter uma base fidedigna e sem conhecer o mercado, boa parte dos vendedores, ao anunciar, superestima o preço pedido. Não por acaso, leva-se em média 16 meses para vender um imóvel no Brasil, enquanto nos EUA, com fartura de dados, são cerca de 50 dias.

A má precificação tem custo social, que, somado a outros fatores, ajuda a explicar por que existem quase 600 mil imóveis vazios só na capital paulista, segundo o último Censo.

A falta de transparência também encarece o custo do crédito, dado que os bancos avaliam os ativos antes de conceder o empréstimo, pois, em caso de inadimplência, o imóvel é a garantia. Mesmo com algum apoio da ciência de dados, na maioria das vezes é necessário fazer uma vistoria física dos imóveis, envolvendo perda de tempo e dinheiro.

Por fim, há impacto nas políticas públicas e na produção acadêmica. Dados de transações imobiliárias são um ótimo sinal do desenvolvimento urbano, mas muitas cidades nem sequer estruturam essas informações. A situação é pior para a pesquisa universitária, porque dados são insumos fundamentais.

Tudo isso era comum no mercado de automóveis. Mas um grupo de economistas ajudou a diminuir a assimetria de informação com a criação da Tabela Fipe. Entre eles, um jovem chamado Fernando Haddad, hoje ministro da Fazenda. Ele e sua equipe, agora, podem ajudar a trazer mais transparência sobre transações imobiliárias.

A Receita Federal recebe todos os meses as Declarações sobre Operações Imobiliárias, arquivos detalhados das transações registradas. Divulgar abertamente esses dados é fundamental para atingirmos os impactos sociais e econômicos citados e muitos outros.

A preocupação legítima com a privacidade é superável, pois existem técnicas de anonimização que não comprometem as liberdades individuais. Nesse sentido, é importante lembrar que tais informações já são públicas e disponibilizadas individualmente nos cartórios, mas a um custo que praticamente inviabiliza a conversão do dado em conhecimento.

A transparência é política de algumas prefeituras, como São Paulo e Belo Horizonte, que disponibilizam suas bases de ITBI. E, no mundo, há diversos exemplos, como Reino Unido e EUA, que há anos divulgam seus dados. No Ranking Global de Transparência Imobiliária, o Brasil aparece na modesta 44ª posição, na condição de "semitransparente".

Mais do que subir em um ranking, o Brasil tem urgência para ampliar o acesso à moradia. Maior transparência é um passo importante nesse sentido, facilitando a compra e a venda de imóveis, tornando mais justos os valores das locações e reduzindo o custo do capital nas operações de financiamento.

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