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Rogério Cezar de Cerqueira Leite

De onde vem o fascínio por Bolsonaro?

Como o deus Shiva, adeptos acreditam que é preciso destruir para renovar

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Rogério Cezar de Cerqueira Leite

Físico, professor emérito da Unicamp e presidente do Conselho de Administração do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM)

De Sun Tzu a Carl von Clausewitz, trata-se de um consenso: o primeiro passo para elaborar uma estratégia de guerra é conhecer o inimigo, suas fraquezas, suas fortitudes. A oposição parece acreditar que Jair Bolsonaro já foi derrotado devido ao comportamento desumano durante a pandemia. Pois bem: os resultados das pesquisas mostram, muito pelo contrário, que ele mantém cerca de 25% dos eleitores, apesar do deplorável comportamento. O presidente tem, portanto, um eleitorado raiz, visceral, que nenhum candidato à Presidência antes demonstrou ter.

Com o auxílio emergencial, vimos no começo da pandemia, ganhou entre 15% e 20% de apoio popular. E ninguém duvida que Bolsonaro lançará mão desse estratagema em momento oportuno.

Além de motoqueiros e milicianos, ainda há empresários e profissionais liberais, que, por conveniência, o apoiarão. Alguns ocultamente, outros descaradamente. Vejam o triste episódio proporcionado recentemente na CPI da Covid, quando uma quase ministra, a dra. Nise Yamaguchi, tergiversou, mentiu e expos sua ignorância ao não saber exatamente a diferença entre um protozoário e um vírus. Pois bem, o Conselho Federal de Medicina veio em sua defesa, além de nunca ter tido uma posição decente em relação à cloroquina.

É necessário, portanto, compreender qual apelo tem um personagem tão inepto para parte dos motoqueiros, médicos, advogados, engenheiros etc. É preciso descobrir de onde vem esse fascínio. Busquei por todos os lados. Em Shakespeare, encontrei Ricardo 3º, destruidor e malevolente, odiando a humanidade e a natureza que o fizera tão deformado. Mas há uma diferença entre os dois. Ricardo 3º não dispunha de tantos seguidores fanatizados.

Continuei minha busca. Passeei pela literatura, talvez Dostoiévski em seu “Os Possessos” (também conhecido como “Os Demônios”). Mas não, seus mais malevolentes personagens se culpam. Andei pela história, pela arqueologia. Nada.

Afinal, encontrei uma possível paródia de Bolsonaro. O hinduísmo tem 300 milhões, de acordo com uma estimativa, ou 600 milhões, de acordo com outra, de divindades. Não poderia deixar de encontrar alguns sósias de quem quer que seja. Mas vejam só que sorte. Encontrei de início uma paródia de Bolsonaro: Shiva, um dos deuses mais importante do hinduísmo. Shiva assume diversas identidades, ou melhor, personalidades. Mas a sua principal missão é destruir. Seus adeptos o defendem dizendo que é preciso destruir para renovar, e aí está o paradigma.

Ao destruir a ciência, a substituição será pelos negacionistas, pelos ignorantes. Ao fragmentar as Forças Armadas e a Polícia Federal, abrirá espaço para as milícias, para os traficantes. Ao subjugar o Congresso e outras instituições, estará abrindo espaço para os oportunistas, para os ressentidos, para os medíocres. E o atual mi

nistério é a comprovação viva desse seu estratagema.

Su Shi (Su Dongpo), um poeta chinês do século 2, disse: “Quando nasce uma criança, todos pedem para que seja inteligente. Eu não, quero que meu filho seja apoucado, idiota, pois só assim fará uma carreira, chegará a ministro”.

Bolsonaro é a oportunidade dos medíocres, dos oportu nistas, dos bandalhos. E são muitos no Brasil. Toda estratégia para derrotá-lo tem que levar isso em consideração.

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