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Leonardo Biagioni de Lima, Mateus Oliveira Moro e Thiago de Luna Cury

Quando humanos valem menos que animais

De 130 unidades prisionais paulistas, nenhuma tem padrão mínimo de saúde

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Leonardo Biagioni de Lima, Mateus Oliveira Moro e Thiago de Luna Cury

Defensores públicos do estado de São Paulo, atuam na Coordenação do Núcleo Especializado de Situação Carcerária

“Se você for a um zoológico, doutor, os animais são mais bem tratados do que a gente.” Foi esta a frase dirigida à equipe do Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo (Nesc) durante recente inspeção em uma unidade prisional paulista.

Impossível não dar razão ao argumento. As celas são superlotadas, não raras vezes com três vezes mais pessoas do que a capacidade permite, sem ventilação ou camas suficientes, escuras, sem janelas e úmidas.

A ausência de atenção à saúde, a insuficiência de itens de higiene, o severo racionamento de água e a precariedade alimentar resumem o retrato da barbárie verificada pela Defensoria em vistorias prisionais.

São Paulo tem 178 unidades prisionais espalhadas pelo estado. Como frear uma pandemia com a proliferação de espaços superlotados, sem ventilação e em que as recomendações de prevenção, como lavar as mãos, são impossíveis? Os impactos da prisão não afetam apenas as pessoas encarceradas, e zelar por essas questões é medida de atenção à saúde coletiva.

Nenhuma das 130 unidades prisionais paulistas contempladas em levantamento feito pelo Nesc está adequada aos padrões mínimos de saúde. Em boa parte, sequer existe médico atuando. Na Penitenciária de Taquarituba, inaugurada em 2014, nunca houve. O CDP (Centro de Detenção Provisória) 2 de Pinheiros está há mais de nove anos sem.

Soma-se à superlotação e à falta de água a escassez de sabonete, relatada em 69% das unidades. Na Penitenciária de Cerqueira César foram fornecidos 4,7 sabonetes por pessoa em 2019. Os dados da Penitenciária 3 de Hortolândia mostram que a reposição do “kit de higiene” para cada presidiário se faz possível somente a cada 20 meses.

A análise dos dados orçamentários reforçam o diagnóstico, como nos mostra a sistematização empreendida pela Plataforma Justa. Em 2020, em plena pandemia, o governo paulista cortou R$ 14 milhões do atendimento à saúde nas prisões e R$ 31 milhões de ações como a aquisição de produtos de higiene. Além dos cortes, houve redução nos investimentos em todas as ações do Programa de Gestão de Reintegração Social. Para cada R$ 6 previstos na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2020, ao menos R$ 1 foi cortado durante o ano. Da previsão de R$ 92,8 milhões, a gestão empenhou R$ 76,5 milhões, uma queda de R$ 16,3 milhões.

A LOA de 2021 mostra que a irracionalidade se mantém. Verifica-se a redução de 3,4% nos gastos com atenção à saúde prisional em relação a 2020. Serão R$ 11,3 milhões a menos —enquanto o montante reservado para a publicidade institucional do governo paulista é de R$ 153,2 milhões.

A não priorização da vida das pessoas presas em meio a uma pandemia sem precedentes não chega a surpreender. São Paulo há muito naturalizou o aprisionamento como resposta prioritária para lidar com os sintomas de nossas mazelas sociais.

O primeiro passo para mudar esse panorama é reconhecer que a opção política do estado de São Paulo pelo encarceramento em massa de sua população pobre e vulnerabilizada é insustentável, inclusive do ponto de vista orçamentário, sendo necessário racionalizar esse sistema e passar a tratar as pessoas presas minimamente como seres humanos.

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