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José Sarney Filho

Sentença de morte para o cerrado

Parlamento precisa impedir redução da área do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros

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José Sarney Filho

Secretário do Meio Ambiente do Distrito Federal, é ex-deputado federal e ex-ministro do Meio Ambiente (governos FHC e Michel Temer)

​Dentre os incontáveis retrocessos promovidos pelo governo Jair Bolsonaro e seus asseclas, a ameaça à sobrevivência do bioma cerrado está ganhando corpo de forma acelerada no Congresso Nacional. O projeto de decreto legislativo 338/2021, apresentado à Câmara no início do mês pelo deputado Delegado Waldir (PSL-GO), busca sustar decreto presidencial de 2017 que ampliou em quase quatro vezes a área do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros.

No Dia Mundial do Meio Ambiente daquele ano (5 de junho), com o Palácio do Planalto repleto de ambientalistas, políticos e jornalistas, tive a honra de anunciar, como ministro do Meio Ambiente do presidente Michel Temer (MDB), a expansão do parque.

Via aquela ação como uma das prioridades da gestão ambiental, a ser realizada com máxima urgência. Não foi fácil: a pressão por parte de setores atrasados do ruralismo e pela especulação imobiliária sobre o governo de Goiás nos tomaram mais de um ano de intensas negociações.

O cerrado, que abriga a Chapada dos Veadeiros, é a savana mais biodiversa do planeta e comporta 30% da biodiversidade brasileira. Ocupa um quarto do território nacional, fazendo a conexão de todos os demais biomas, e é o berço das águas do país, pois suas nascentes abastecem 6 de nossas 8 principais bacias hidrográficas, com imensos aquíferos subterrâneos.

Entretanto, o cerrado é também uma das ecorregiões mais ameaçadas do mundo. O bioma teve quase 50% de sua cobertura vegetal degradada nas últimas cinco décadas, em grande parte devido à monocultura da soja. Os efeitos disso para o clima e a segurança hídrica são dramáticos. Precisamos reverter esse processo de degradação e fragmentação e, como sabemos, as unidades de conservação são vetores da integridade ecossistêmica.

No coração do bioma, o parque nacional foi incluído em 2001, pela Unesco, entre os sítios do Patrimônio Natural da Humanidade devido à sua relevância como ecossistema singular, refúgio de espécies ameaçadas e endêmicas. É também zona núcleo da Reserva da Biosfera do Cerrado e faz parte do Corredor Ecológico Paranã-Pirineus.

A ampliação do parque visou o restabelecimento de áreas protegidas, de modo a contribuir para a conservação de dezenas de espécies da fauna e da flora ameaçadas de extinção. Com ela, demos um passo significativo no âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica, da qual o Brasil é signatário.

Parte fundamental do projeto de destruição que impõe ao país um de seus momentos mais dramáticos —destruição da saúde, da educação, da cultura, das relações exteriores, das instituições garantidoras da estabilidade nacional e da própria democracia—, o desmonte ambiental, assim como as centenas de milhares de vidas consumidas pela crise pandêmica, está entre as mais graves, por trazer consequências, muitas vezes, definitivas.

O tempo do homem é maleável e relativo, mas o tempo da natureza é absoluto e implacável. A demora, em certos casos, pode levar a perdas irreversíveis. E quando a natureza perde, perdemos todos.

Nestes tempos tão funestos, nosso Parlamento não pode permitir que se dê ao cerrado, com nova redução da área do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, uma sentença de morte.

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