Marcado pela aversão ao risco, o longo reinado de Angela Merkel à frente do governo alemão chega ao fim sob incertezas.
A maior economia europeia foi às urnas no domingo (26) e apurou o pior desempenho histórico do partido da chanceler (primeira-ministra, na terminologia alemã e austríaca), a união de siglas democratas cristãs há 16 anos no poder.
A CDU-CSU teve 24,1% dos votos, ante 25,7% dos sociais-democratas (SPD), com quem coabitavam na chamada Grande Coalizão.
A depender do vitorioso Olaf Scholz (SPD), o novo governo terá os verdes (que somam 14,8% do eleitorado) e os liberais do FDP (11,5%). Isso garantiria 416 cadeiras no Parlamento, acima das 368 necessárias para uma maioria.
Haverá negociações, contudo, e mesmo um improvável acordo com a CDU-CSU não está totalmente descartado. Todo governo no pós-guerra alemão foi formado por coalizões, mas nunca houve eleição tão pulverizada —sendo a boa notícia a perda de espaço de radicais de direita e de esquerda.
É uma despedida algo inglória para Merkel, uma das únicas líderes mundiais digna do epíteto de estadista, como o manejo da pandemia comprova. Seu vasto prestígio, em particular no exterior, ofusca a série de problemas que ela deixa a seu sucessor.
Sua elogiada tendência à acomodação ajudou a Alemanha a passar por crises severas, como a econômica de 2008 e a sanitária atual.
Entretanto também a impediu de fazer avançar agendas importantes, como a reforma previdenciária —lacuna compreensível quando mais de 20% dos eleitores são idosos, mas que irá cobrar seu preço.
A Alemanha, a despeito da pujança de sua poderosa indústria, tem indicadores piores do que os de vizinhos em quesitos como competitividade e inovação. A má qualidade das redes de internet no país constitui um monumento muito tangível a essa contradição.
Mesmo com um Partido Verde dos mais influentes no mundo e uma agenda ambiental estabelecida, tem os piores índices de emissão de carbono da região.
A rigidez com que Merkel sempre lidou com temas orçamentários, algo obviamente positivo, muitas vezes foi vista como excessiva. A forma com que os países mais pobres da União Europeia foram tratados colocou Berlim na fronteira da insensibilidade social.
Ainda no campo externo, a Alemanha perdeu espaço para a França devido à pouca disposição para enfrentar temas como o status militar europeu em meio à Guerra Fria 2.0 travada entre China e EUA.
De forma mais controversa, em nome da segurança alemã Merkel consolidou o domínio do Kremlin sobre o mercado energético europeu ao finalizar dois gasodutos ligando seu país à Rússia.
Por fim, a atomização partidária não facilitará a abordagem decisiva dessas questões. Apesar de suas inegáveis qualidades, Merkel não legou um quadro político estável à semelhança de seus anos no poder.
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